sábado, 17 de janeiro de 2015

Raimundo Rodrigues Pereira

Trabalhávamos juntos em fechamento de algumas reportagens altas horas da madrugada e Raimundo Rodrigues Pereira, na redação do jornal Movimento, dizia como quase uma confissão: "Será que vou ficar velhinho, de cabelos brancos, fazendo jornal e enfrentando a censura?". Ingenuamente e de olhos esperançosos, certo de que esse dia viria, eu respondia: "Vamos comemorar o fim da censura brevemente". No dia em que caiu a censura ele me chamou e fui à redação fazer algo hoje politicamente incorreto: soltar um balão escrito algo como "Acabou a censura". Claro que era algo simbólico, hoje não se admite, nem ele nem eu nem ninguém admite que alguém solte balão, olha os riscos. Os riscos, sempre eles.
Raimundo Pereira a quem fui apresentado por Jair Borin é um dos jornalistas que mais admiro na vida. Cercou-se de pessoas também competentes que tanto o admiraram como Tonico Ferreira (hoje na Globo), Teodomiro Braga, Sérgio Buarque, Tim Urbinatti, Duarte Pereira, Sebastião Netto, Paulo Barbosa, Duarte Pereira e Murilo Carvalho, entre outros, profissionais também da melhor qualidade. Uma manhã ouvi o saudoso e querido Flávio Carvalho tomar uma bronca pelo jornal ter sido furado sabe por qual concorrente? O The New York Times.
Certa vez Raimundo liderou um movimento formado na Assembleia Legislativa paulista para ajudar a esclarecer quem estava tocando fogo nas bancas de jornais. Pediu que arrumássemos dinheiro para ajudar as vítimas. Ninguém poderia ficar só no discurso, era preciso fazer alguma coisa.
Raimundo Pereira nunca disse nada para os companheiros da cooperativa que mantinha de pé o semanário, mas fiquei sabendo que ele vendeu um apartamento para pagar as dívidas do jornal. Tinha uma família com mulher e filhas que dependiam do dinheiro fruto do seu trabalho, mesmo assim não pensou duas vezes em se desfazer de parte do patrimônio amealhado durante uma vida inteira.
Rodávamos o jornal e ele parava nas madrugadas para comermos um sanduiche que àquela altura era uma iguaria.
Nunca deixei de receber pelos trabalhos, nunca fiz de graça, tudo foi religiosamente pago. Diziam que o jornal era mantido pelo "ouro de Moscou", mas isso nunca existiu, era invenção da feroz direita sanguinária capaz de difamar, de torturar e de matar em tempos da ditadura militar que infelicitou esse País.