domingo, 1 de março de 2015

No tribunal da inquisição

Meu colega jornalista Pedro Cafardo, hoje no Valor Econômico, com quem trabalhei no Estadão e na Folha, observou que eu não tinha idade para ter participado da luta armada contra o regime militar, afinal em 1964 tinha 12 anos de idade. Mas nesse período fui submetido a verdadeiro interrogatório como se estivesse em um tribunal da inquisição. Tudo por obra e graça de um professor do antigo curso ginasial de nome Sérgio.
As carteiras em que sentávamos, ginásio do governo, eram de madeira e tinham pelo menos dois lugares onde se colocavam tinta daquelas que vinham em um vidrinho e era derramado para que o aluno lançasse mão ao manusear as canetas de pau com pena de aço. Como na época já usávamos caneta esferográfica, os lugares das tintas ficaram sem função. Eram fechadas e nada se colocava ali.
Minhas aulas eram no período da manhã. À tarde outra turma entrava na sala. Pelo que percebi, o banco era ocupado por uma menina que, em minha imaginação, era linda. Um dia deixei um bilhete para ela. Perguntei seu nome. Para minha surpresa ela respondeu e começamos ali uma troca de papo com perguntas e respostas como fazem dois namorados. Tudo no terreno platônico, é claro, porque nunca a vi pessoalmente.
Num belo dia à saída fui chamado pelo tal professor Sergio para uma conversa reservada na diretoria. Ele mostrou um bilhete com palavrões de deixar qualquer um vermelho de vergonha. Me acusou de ser o autor de tal monstruosidade. Foi assim no primeiro dia. No segundo dia novamente fui submetido a verdadeiro interrogatório. Ele queria que eu confessasse. Como não tinha sido autor da horrível façanha, não assumi a culpa. Neguei. Na sexta-feira, após uma semana de tentativa e já com dor de cabeça por ter sido interrogado por aquele Torquemada da Santa Inquisição, mais uma vez e agora em definitivo eu neguei a autoria do tal disparate.
Não convencido, o carrasco arquivou a acusação por escrito que não assinei e ameaçou: "Um dia sua consciência o acusará".
Terminado o ginasial fui ao colégio, onde tive aula com inúmeros professores do mais alto nível. Uma delas de quem fiquei amigo um dia me convidou para seu casamento. E ao ver o nome do padrinho, desisti. Era o tal professor Sérgio quem assinaria como testemunha. Não fui.
Muitos e muitos anos mais tarde, na Era Facebook, contei para ela o episódio. A querida professora explicou que não tinha amizade muito aprofundada com o Sérgio, tinha sim amizade com a esposa dele, uma doce criatura. Paciência. Creio que participei de um jogo cruel e desigual com este inquisidor nos tempos da ditadura militar.

Neste tipo de carteira é que troquei correspondência e acabei acusado por um sádico professor