sábado, 27 de setembro de 2014

Getúlio Bittencourt

Era um jornalista com memória excepcional, capaz de lembrar trechos de livros, poemas inteiros, dono de um texto excelente, dos melhores de nossa imprensa. Getúlio Bittencourt, mineiro, tinha dois empregos. Repórter da Folha de S. Paulo à tarde, pela manhã acordava bem cedo e ia para a Prefeitura de Guarulhos, onde ficava até a hora do almoço prestando serviços de assessoria de imprensa. Conheci sua mulher à época, um filho, Dimitri (teve outro, Diego), e o convidei para ser meu padrinho de casamento. Quando teve de ficar full-time na Folha ele deixou a assessoria da cidade da Grande São Paulo e me convidou para ficar em seu lugar. Agradeci e recusei, não queria sacrificar minhas manhãs como ele o fazia, disse que a cidade era longe. Indiquei o jornalista Carlos Alberto Barbosa que aceitou e ficou por lá até se aposentar.
Getúlio fez carreira na Folha de Cláudio Abramo, que gostava muito dele. Escreveu uma entrevista com o General Figueiredo sem gravador, apenas de memória, publicada pelo editor-chefe Boris Casoy. Foi para a revista Veja. E se aproximou do Presidente Sarney, de quem se tornou astrólogo e comunicador. Depois foi para a Gazeta Mercantil nos Estados Unidos.
Afável, cuidou dos filhos de mulheres com quem se casou. Autodidata, tinha passado por algumas experiências em teatro. Dirigiu e deu forma ao jornal Diário do Comércio e Indústria, do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, em sua versão impressa e eletrônica.
Escreveu alguns romances, ensaios e deu entrevista falando de jornalismo, verdadeiras lições de um repórter e editor de primeiro time. Se houver Justiça e Memória neste país um dia alguém reunirá toda a produção e entrevistas que ele deu e publicará em livro, que servirá de lição para os estudantes e a nova geração de estudiosos da Comunicação.  

O mineiro Getúlio Bittencourt, um dos melhores jornalistas deste País sem memória

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

roberto freire e alex periscinoto

Tinham a mesma idade, foram vencedores cada um em sua área, talento, honestidade, versatilidade, ética, tudo os unia. Roberto Freire, psiquiatra, anarquista, criador do romance "Cléo e Daniel", teve participação importante nos festivais de música popular que revelou Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e a Jovem Guarda, tudo isso ele fez, além de ter se destacado na revista "Realidade" como autor de reportagens épicas, ganhadoras de Prêmio Esso. Foi um revolucionário. Estava na "Caros Amigos" do Sérgio de Souza.
Tinha um programa feito ao vivo na Rádio Bandeirantes AM, que tem vozes famosas como Salomão Esper, José Paulo de Andrade e tantas outras feras. Noite de domingo. Outro convidado no mesmo programa, o publicitário Alex Periscinoto, inventor e criador de tantos anúncios hoje clássicos. Os dois se olharam, parece que no silêncio queriam dizer o que há décadas estava na garganta de cada um.
Falei para o Roberto Freire que ele estava diante do Alex Periscinoto, eles disseram que se conheciam, eram da mesma época, tinham a mesma idade, tinham enfrentado os mesmos problemas, cada um a seu modo. Só que nunca haviam se encontrado. O que eles conversaram não sei, não fiquei por perto. Só sei que foram horas de conversa, um papo de amigos que há décadas queriam se encontrar. Dois gênios. Quem pode contar o que falaram é o Alex Periscinoto, que está na ativa, isso se ele não estiver em viagem com algum cliente - sua mulher já se acostumou a arrumar sua maleta às pressas com algumas poucas mudas de roupa, ele dá o sinal e em questão de minutos está a caminho de uma grande reunião que tanto pode ser nos Estados Unidos quanto na China, na Índia, na Nova Zelândia, para ele tanto faz. O importante é que dali sairão grandes negócios que ele, discretamente, nunca revelou quais são, mas que certamente farão deste Brasil um país um pouco mais rico.

 Roberto Freire, romancista, psiquiatra, autor de peças teatrais, integrante da revista Realidade
Alex Periscinoto, publicitário renomado, criador e responsável por inúmeros comerciais de sucesso

O fascista

Santos, cidade litorânea, atrai forasteiros pela brisa de seu mar, de águas límpidas, azuis, verdes, mas também pelo centro onde o cais se tornou centro do comércio, de barganha e de exportação. Um caipira veio do interior do estado e cismou com um colega de "A Tribuna" que assinava artigos nas páginas de Economia com o mesmo nome, aí achou que o antigo deveria deixar de lado esta marca já tradicional e procurar outra, quem sabe mudar de nome. Claro que o tradicional colega não aceitou. Bem. O rapaz interiorano - nada contra os caipiras hein! - assumiu a sucursal de "O Estado de S. Paulo" nos idos dos anos 1972, por aí, e me convidou para conversar. O convite veio através de dois colegas que prezo demais até hoje, gente de primeira linha. Fez a proposta, disse que eu deveria deixar o jornal onde trabalhava, o "Cidade de Santos" editado pelo José Alberto de Moraes Alves Blandy, e passaria a fazer reportagens para o vetusto Estadão.
Perguntei quanto deveria ganhar pelo trabalho, afinal perguntar não ofende, e ele respondeu: "Nada". Quis ter certeza de que estava ouvindo direito. "Você não vai ganhar nada, vai trabalhar aqui para a família Mesquita, o que é uma honra".
Quando se tem a idade por volta dos 20 anos a gente não mede as palavras. Chamei-o de "fascista". Virei as costas e o deixei com meus dois amigos de que tanto gosto e admiro até hoje como já disse.
Vez ou outra quando eu já estava trabalhando na "Folha de S. Paulo" o "fascista" se queixava de mim, dizendo que eu o chamei de algo que ele definitivamente não era, argumentava, se defendia. Contava aos meus amigos que eu não mencionava seu nome, só o taxava de "fascista".

 O porto de Santos atrai todo mundo do interior que fica fascinado pela cidade litorânea