quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Mergulho no Tamanduateí

Toda eleição eu pedia para trabalhar depois de ter votado, cumprido a árdua tarefa, pois era difícil a vida em um cenário onde havia um partido oficial, a Arena dos militares, e a oposição, o MDB do doutor Ulysses. Estávamos em plena ditadura militar. Naquele ano era época de eleições municipais. O editor de Política da Folha, Rolland Marinho Sierra, encomendou uma reportagem sobre as eleições na Baixada Santista, onde eu votava, queria que eu percorresse algumas cidades onde havia começado minha vida profissional. Peguei um ônibus e fui direto à redação do jornal Cidade de Santos, do mesmo grupo de publicações da família Frias. O diretor de redação José Alberto Blandy, meu primeiro chefe em jornal, facilitou as coisas, pediu para todos os correspondentes das cidades vizinhas para darem um panorama geral. Peguei os dados no final da tarde, me despedi e tomei o ônibus na rodoviária rumo a São Paulo.
No caminho entre Santos e São Paulo o mormaço é infernal. Estava quase dormindo quando ouvi gritos vindos de todos os lados. O ônibus havia caído, mergulhado nas águas do rio Tamanduateí. Todos estavam se dirigindo para o final do ônibus e saiam pela janela traseira. Fiz o mesmo. Vi o ônibus mergulhar nas águas sujas do histórico rio e dei sinal ao primeiro táxi que passou. Direto para a redação da Folha, na alameda Barão de Limeira.
A reportagem saiu assinada, do enviado especial, e não comentei com ninguém, nem mesmo em casa com minha mulher e filhos sobre o que tinha acontecido naquele ônibus. Saí ileso daquele mergulho nas águas do Tamanduateí. Minha aventura que nunca escrevi, ficou no silêncio da vida.


sábado, 18 de agosto de 2018

Minha vida na caserna

Completara 18 anos, hora de me apresentar no Exército, o mais próximo era o batalhão comandado pelo então coronel Erasmo Dias, que anos mais tarde teria em seu currículo o fato de ter invadido a PUC/SP com sua cavalaria. Mas o fato é que me apresentei no Segundo BC - Batalhão de Caçadores, em São Vicente, litoral paulista. Durante a manhã tivemos de tirar a roupa, passar por uma balança e encostar na parede, onde mediam a altura. Em seguida, as chamadas provas físicas.
Me vi de repente em uma espécie de campo de futebol, com uma corda que atravessada de um lado a outro. Tínhamos de subir e alcançar o outro lado, cada um que se virasse.
Outra prova a que tivemos de nos submeter era um monte de estacas, dessas de postes de luz, em que cada um que mostrasse se era capaz ou não de aguentar.
E outra prova em que subíamos um monte de obstáculos com toras pontudas. Tinha um gordinho que havia tentado a Aeronáutica e a Marinha mas, apesar de todo seu esforço, foi reprovado no Exército. Saiu chorando.
O comandante reuniu todos nós e perguntou: "Quem fez vestibular?". Fui um dos meninos que havia tentado e passado no vestibular. Levantei a mão. Outra pergunta dele: "Quem passou?". Novamente repeti o gesto. Ouvi sua voz grave: "Vocês estão dispensados, podem ir para casa".
Enquanto aguardávamos em fila a hora de pegar o ofício de dispensa do serviço militar, um desses recos surgiu com uma vassoura e uma ordem: "Você aí, o terceiro da fila, venha aqui". Todo mundo quieto. Novamente o soldado arrumou seu uniforme, ajeitou o quepe e insistiu: "Você aí, você mesmo, venha aqui imediatamente".
Não foi o terceiro, mas o quinto da fila que saiu e disse bem alto nos ouvidos do soldado raso: "Você não percebeu, aliás, não tem capacidade nem para se mancar de certas coisas. Nós aqui todos nesta fila em um ano seríamos tenentes, porque aqui é fila do CPOR - o centro preparatório de oficiais da reserva. Ou seja, em um ano meu colega aqui chamado por você estaria dando ordens e você cumpriria em um piscar de olhos. Eu o aconselho a largar a vassoura e se recolher à sua insignificância".
Parece que o soldado está correndo até hoje.   

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Adoniran Barbosa

Eu o encontrei algumas vezes pelos lados da Praça da República, o cumprimentava e ele balançava a cabeça, lembro que certo dia chegou a fazer menção de que ia tirar o chapéu de feltro, e aí seguia em frente. Calmo, sempre muito calmo. Se tivesse tempo para me ouvir diria a ele que li o que ele tinha escrito em um jornal a pedido do amigo Assis Ângelo, um alternativo que era preferido também pelo cartunista Jota, um certo "Arroz com Feijão", que circulou duas ou três vezes, não mais do que isso.
Li agora que Adoniran Barbosa participava também como entrevistador do programa que era líder de audiência nos anos 70 do século passado, "Quem tem medo da verdade". Para quem não viu eu vou resumir: era um programa de tv ao vivo, com alguém em evidência, e só faltava exibir as malhas da Inquisição, porque tudo que havia de sadismo escorria por lá. O grande cantor e compositor fazia sua parte digamos humorística, para dar um tom um pouco mais leve ao programa.
Elifas Andreatto fez este retrato do grande Adoniran Barbosa, um primor de desenho que resolvi usar aqui para homenagear tanto um como o outro. Também li a biografia escrita pelo músico Ayrton Mugnaini Júnior, que não conheceu pessoalmente Adoniran, mas construiu uma grande obra, digna do homenageado. Agora estão anunciando um filme no cinema que, espero, vou assistir na primeira fila com pipoca e guaraná, é claro.