segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Odair José, o Musical

Um dos maiores cantores brasileiros, Odair José, faz poesia para o povão, nada sofisticado, nada de grandes lances, tem versos simples, dá para aprender de maneira fácil suas músicas. Cruzei com ele na agência do publicitário Washington Olivetto, que o cantor humildemente chamava a toda hora de "seo Washington", responsável por um CD com dezenas de músicas cantadas por um pessoal jovem, à maneira e estilo de cada um. Belo espetáculo. Minha segunda surpresa em torno do ídolo que passou pela Jovem Guarda, transitou no meio de sambistas (chegou a morar em um quarto e sala com Ataulfo Alves) e até mesmo de sertanejos que o adoram, foi ao assistir à peça "Eu vou tirar você deste lugar - As canções de Odair José", dirigida e roteirizada por Sergio Maggio, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade de São Paulo.
Cantor das prostitutas e empregadas domésticas em um período dos mais cruéis que o País atravessou, a ditadura militar (1964-85), sofreu censura, foi aprisionado por rótulos que o diminuíam como artista e teve a sua obra colocada num balaio pejorativo, chamado de brega. No texto do folheto que recebemos antes da apresentação, Sergio Maggio esclarece que não se trata de uma biografia do cantor, mas que ele escolheu das 400 e tantas composições, 20 delas para contar em uma dramaturgia inédita em que homenageia o cantor. Fala, por exemplo, de barões do café, das casas de má fama frequentadas por eles, dos amores fugazes, das confissões sob lençóis que o tempo não apaga.
Odair José tem hoje, na visão de Maggio, uma obra musical reavaliada, reconhecida pela crítica especializada, respeitada pelos segmentos mais alternativos do pop-rock brasileiro e abraçada por criadores relevantes da nova MPB como Zeca Baleiro.
Sergio Maggio entregou a supervisão musical ao próprio Odair José. E colocou no palco bons atores e músicos, convidando a atriz e cantora Watusi, que brilhou no Moulin Rouge, de Paris, entre 1978-82, e que dividiu o palco com Gene Kelly e Ginger Rogers. Ela dá um show, está em grande forma.
Na apresentação do dia em que entrava o verão estava na plateia, assistindo, a cantora Maria Alcina, que vibrava com esta bela homenagem que foi feita como devem ser feitas a maioria delas, a meu ver: em vida. Porque homenagem póstuma só serve para inflar egos de parentes e amigos.


   

domingo, 14 de dezembro de 2014

Edenilton Lampião

Conheci Edenilton Lampião nas andanças pelas ruas de São Paulo a serviço da Folha, em 1975, ele repórter de O Globo, sucursal paulistana, cruzávamos em diferentes lugares e tínhamos variados assuntos. Só que a preocupação dele não era com os fatos ali diante de nós expostos, mas o universo, suas nuances, variações, o que girava em torno do sol. Tinha uma preocupação de saber se eu estava bem, se estava feliz com o emprego, procurava ligar para os amigos no JB, Globo, Estadão, Abril, em tudo onde pudesse encontrar com amigos que brincavam respondendo: "É lampi/É lampi/Lampi/Lampião/Meu nome é Virgulino/O apelido Lampião". Este paraibano nascido em Rio Tinto tinha alguma semelhança com o lendário bandido sertanejo que andou por terras nordestinas, mas a conversa parava por aí. Andava com óculos redondo tipo John Lennon, de quem era fã. Tocava em um conjunto com seu irmão, também jornalista, Eugênio Araújo, com João Teixeira e outros. Quando precisavam de instrumentos recorriam ao Eduardo Araújo (nada a ver com parentesco).
Um dia meu editor Odon Pereira pediu que indicasse profissional para vaga de copy e como Lampião estava desempregado falei em seu nome. No final do dia perguntei ao Odon se meu amigo havia feito contato, ele respondeu que não só ligou como também já o tinha contratado e que começaria no dia seguinte.
Não lembro se foi o primeiro ou o segundo pagamento que Edenilton recebeu da Folha, só sei que inadvertidamente tirou o dinheiro do bolso e foi alvo de ladrões no Largo do Payssandú. Levou uma surra e ficou em casa por semanas, enfaixado. Fui visita-lo, pelos lados do Ipiranga, conheci a mulher e seus filhos Guilherme e Luís Fernando.
Jards Macalé uma vez passou pela Folha e ficou conversando com Lampião por horas a fio. Também me convidou (e eu não fui) para uma noitada de samba na casa do cantor Cartola que tinha montado restaurante com dona Zica pelos lados da Vila Ré, aqui em São Paulo. Durou pouco.
Lampião deixou a Folha e foi trabalhar na revista Planeta, onde sucedeu Ignácio de Loyola Brandão. Com Paulo Coelho fundou a Ordem da Estrela Bailarina. Dizia ser "contra tudo o que é a favor e a favor de tudo o que é contra".
Um dia recebo ligação do cartunista Jota, que me fala que ele foi atropelado, ao voltar para casa, e que não resistiu aos ferimentos.
Tenho muita saudade do meu amigo Edenilton Lampião que acreditava no poder cósmico, onde certamente está viajando, sempre ligado em todos nós com sua sagacidade e bom coração.

Edenilton Araújo, Lampião, um dos melhores jornalistas deste País sem memória e sem História

domingo, 7 de dezembro de 2014

Chico Papagaio

Nos tempos idos da minha infância, passada mais da metade do tempo atrás do balcão onde mal alcançava, aparecia todos os dias, invariavelmente, o pernambucano Chico Papagaio. Começava a conversa com papai por volta das 8, 9h da manhã, dava uma pausa para o almoço, voltava e se estendia até ao final da tarde, por volta das 19h, antes mesmo de iniciar a telenovela que fazia a alegria de todos ali. Era estivador no cais de Santos, litoral paulista, e não saia de casa sem sua bicicleta.
Tinha uma penca de meninas, acreditava como seus antepassados que se chegasse à sétima filha a mais velha é quem teria de batizar, se tornar madrinha, sob pena de a última, a sétima da prole, se tornar bruxa. Ele acreditava piamente nisso. Só que ao invés da sétima filha veio um menino, ao qual ele batizou com seu nome, não sei se acrescentou o Filho ou Júnior. Não lembro mesmo. Só sei que as meninas quase não falavam. Só concordavam ou discordavam com um gesto da cabeça. A um simples olhar do pai as meninas diziam um lacônico "sim" ou discordavam respondendo um simples "não".
Chico Papagaio contava que em sua terra uma vez os amigos foram colher uma jaca tão grande que precisou de cinco a seis homens para tirar do pé. Levar para a feira foi outra epopeia. Os matutos faziam a farra. Era um desfilar de casos de sua terra, a amada Pernambuco das cirandas e dos bonecos gigantescos que desfilam todo carnaval.
Mas o que faz este mundo corporativo sempre explorando os mais necessitados e mesmo aqueles que nunca se aventuraram por seus corredores é de amargar. As duas meninas mais velhas do Chico Papagaio que não falavam, um dia se viram desafiadas a vender perfumes, desses que se oferecem de porta em porta. Elas procuraram as moças da minha família (mamãe e uma irmã, Regina, a caçula) e falaram com uma desenvoltura que causou surpresa para os vizinhos, que se juntaram e foram ver a exposição tão didática, feita de forma incomum por aquelas duas mocinhas, na flor da idade, desfilando um arrazoado de argumentos em favor dos produtos que ofereciam. Nada melhor do que uma venda, disseram aliviadas após vencerem a tal empreitada. Sucesso total. Milagre dos céus na terra do cangaço?