quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A longa viagem



Visto assim à distância parece que estamos viajando no tempo, em busca de um passado cheio de glórias. Mas, pensando melhor, vamos ver que a vida mudou pouco. Dias atrás conversava com uma senhora que me falou de sua filha, casada com Ricardo, um menino que morava na mesma rua em que cresceram meus quatro filhos. E onde está Ricardo? Na Irlanda. Fazendo turismo? Não. Trabalhando. Ah sim, como Ricardo se formou, fez faculdade, pós-graduou em Informática, deve estar fazendo inúmeros trabalhos nesta área tão promissora, não é mesmo? Nada disso. Ricardo está se virando como peão em terras irlandesas. Sua esposa, a filha desta sorridente senhora com quem eu conversava, se formou cabeleireira, ganhou uma profissão e soube que há trabalho na Europa para onde foi levando a tiracolo seu marido.
Anos atrás um outro Ricardo, meu irmão, fez o caminho inverso de vovô. Foi trabalhar no Japão em uma fábrica. Engenheiro mecânico formado pela Unicamp, a universidade estadual de Campinas, trabalhou em fábrica de freios, depois foi para a Honda em Manaus e soube que o velho Continente precisava de mão de obra. Não foi trabalhar como engenheiro, mas como peão de fábrica. Juntou dinheiro e comprou apartamento em Santos, onde vive hoje longe da profissão na qual tanto se empenhou. Ricardo, meu mano, se deu bem porque entrou na Receita Federal onde terá uma aposentadoria excelente daqui a alguns anos. 
Meus avós vieram na primeira leva. Meu avô Higa veio no Kasato Maru, em 1908. Meu avô Chinem veio na terceira ou quarta leva de migrantes. Papai não se lembra em que ordem veio aquele navio, mesmo porque há poucos registros em sua memória. O certo é que meus dois avôs sonharam em voltar para o velho continente, mas não conseguiram, partiram antes de conseguir atingir o sonho que os acalentou a vida toda. Creio que foram felizes enquanto passaram por terras brasileiras. Deixaram como herança o exemplo de suas vidas. Creio que isso é alguma coisa.



terça-feira, 24 de setembro de 2013

Minha primeira lembrança


Nunca tive certeza de minha primeira lembrança de vida. Se tivesse de ganhar a vida com data exata dos acontecimentos estaria estendendo a mão para pedir alguns trocados.
Sei que há pessoas que fazem isso muito bem: sabem o que aconteceu tal fato, lembra detalhes, mas não é o meu caso. As lembranças aparecem fragmentadas. São trechos mais propriamente do que um filme inteiro a ser contado. Lembro, por exemplo, de admirar um primo meu, Carlinhos, a quem tinha amizade e muito amor. Lembro que ele amava meu avô. Tanto que chorou até passar mal quando vovô nos deixou. Disse a ele, não chora, ele não é seu pai. Dois ou três meses depois disso Carlinhos nos deixou. Foi embora não sei com quantos anos de idade, talvez 5 anos, devia ter a mesma idade que eu ou meus irmãos, todos com diferença de 2 anos, verdadeira escadinha de gente. Uma vez estava correndo na escola e alguém pôs o pé na frente, caí e desmaiei. Foi o meu primeiro desmaio, aos 10 anos de idade. O segundo só viria a acontecer 50 anos mais tarde, algo que me deixou apavorado, mas foi somente um susto. Ainda bem.
Outra lembrança que vem à mente é com a amizade com outro avô, Higa, que aportou por aqui no Brasil vindo na primeira leva de imigrantes japoneses, o navio Kassatu Maru. Já faz parte da história das migrações, afinal ele veio em 1908. E por que sei disso? Ora, porque poucos estrangeiros vieram para cá, a não ser os negros caçados a laço na África. Foi para substituir esta mão de obra escrava que o governo brasileiro passou a permitir a vinda de estrangeiros para trabalhar em nossa lavoura. No caso dos meus avós, eles vieram para trabalhar na colheita do café. Meu avô sabia dirigir automóveis e trabalhou para uma figura que viria a ser presidente da República – só que nesta época ele já estava colhendo suas orquídeas em seu sítio na cidade de Pedro de Toledo, no Vale do Ribeira.
A convivência com meu avô Higa é uma das minhas doces lembranças da infância. Tinha 5, 10, 12 anos, não lembro. Tenho tudo guardado na memória, quase não há registro fotográfico. Para conseguir fotografias de vovô na comemoração do centenário da imigração em 2008 tive de recorrer às minhas primas.
A cada dia as lembranças se vão, principalmente quando tento conferir dados com pessoas mais antigas e com melhor memória do que eu. Alguns dados não batem. Vou ficar como aquele aluno que tinha lembrança doce da professorinha que lhe ensinou o beabá, nunca quis reencontrá-la com medo de ver uma senhora totalmente irreconhecível, diferente de sua memória. Na falta de dados precisos costuma-se inventar, só que como não sou ficcionista nem novelista só me resta rascunhar tudo isso e deixar de lado para quem sabe um dia fazer o quê.