segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Henfil

Henfil estava de casa nova, um apartamento em Higienópolis, fomos visita-lo. Quem me levou foi o jornalista Tarcísio de Souza, colega editor do semanário onde trabalhávamos, "O São Paulo", dirigido pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, onde havia um grupo de economistas que escreviam de modo fácil para que todos entendessem o que estava acontecendo em seus bolsos, iniciativa do Plínio de Arruda Sampaio. Henfil mandou que entrássemos em seu novo apartamento paulista. Havia arrendado uma máquina de fotocópia que deixava ligada e onde tirava milhares de cópias de seus desenhos.
Sem que pedisse, Henfil separou dezenas de seus cartuns maravilhosos e como uma espécie de documento oral disse: "Publique com ou sem legenda, se precisar mude a legenda conforme o assunto, está autorizado por mim". Quem sou eu para mudar uma legenda de personagens do magnífico Henfil?
O telefone tocou, Henfil foi atender, mas como não falava nada ele desistiu sem antes xingar: "Sua mãe, idiota, está na zona, por isso você está mudo, espião a serviço da ditadura". Hoje é para rir, mas na época poucos tinham a coragem de desafiar censores ou policiais federais a serviço da ditadura em que estávamos atolados (1964-1985). Dava medo.
Soube nessa época que os dois fradinhos de Henfil existiam de verdade, um deles trabalhava na TV Globo, o outro estava na Europa exilado. Pedi para ele me apresentar os fradinhos, ele ficou de ver com os próprios se interessava dar entrevista, mas o assunto ficou por ali mesmo. De repente ele se vira para mim e pergunta: "Você é mineiro?". Não havia entendido a pergunta. "É que todo mundo que vem aqui é nascido no mesmo Estado onde nasci". O cartunista Nilson morou naquele apartamento por algum tempo, como hóspede enquanto se ajeitava. E assim aconteceu com outros "mineiros". Saudade do Henfil.

sábado, 9 de julho de 2016

Toshiro Mifune

Era entrar na água e ele deixar  a companhia de umas senhoras com quem conversava para gritar: "Toshiro Mifune".Perguntei para ele por que me chamava pelo nome do grande artista japonês e ele respondeu que era o único que conhecia. Vi que Toshiro Mifune não era japonês, era chinês, mas tinha trabalhado a vida toda no Japão. Isso é só um detalhe. O meu amigo que tinha vários nomes disse que aquelas mulheres com quem praticava natação eram sereias, mas só quando vistas sob a sua ótica, debaixo da água. Todas se tornavam lindas, maravilhosas e, raridade, novas de novo.
Algumas vezes ele agradecia alguém que voltava da Alemanha, por exemplo. Explicou que durante a vida toda exerceu a função de professor em escolas que visam a profissionalização dos estudantes. Deu aula de montagem de rádio. Depois que se aposentou continuou consertando os aparelhos que já não tinham mais peças. O jeito foi recorrer aos viajantes que lhe socorriam trazendo peças que por aqui não se encontram mais. Perguntava de quanto era a despesa, os interlocutores lhe respondiam que não era nada, que as peças trazidas no bolso ou nas malas eram "cortesia". Sei que nessa passagem das fitas de vídeo VHS para os DVDs muitos filmes foram descartados perto de onde nós nadávamos e ele levava para casa até o dia em que descobriu que tratava-se de desenhos da produtora Disney. Mesmo assim ficou com a coleção até lá quando não sei. Não mais o vi. Deixei de frequentar a piscina do Sesc Consolação por uns tempos.
Outro dia parei naquele local para tomar um cafezinho com calda de tapioca. Por uma questão de confusão minha, entrei no elevador que me deixou no mesmo andar da piscina. Olhei para as águas vazias de nadadores, tive a impressão de ouvir sua voz cansada e entrecortada pelo canto das sereias: "Toshiro Mifune, Toshiro Mifune, entra que a água está com ótima temperatura".
                                                         Toshiro Mifune, o grande ator chinês, fez sucesso no Japão

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Ailton Krenak

A Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) deu o título de Doutor Honoris Causa para o líder indígena Ailton Krenak. Nada mais justo. Uma prova de que ainda existe vida inteligente nas Universidades. Por lá há um projeto nacional, o Movimento Encontro de Saberes, que tem por objetivo levar à Academia conhecimentos tradicionais. Ailton tem percorrido o mundo disseminando conhecimento sobre os índios, fala de como preservar a Terra e disseminar valores nesta época em que não se comenta outra coisa que não a falta de ética na política.
Com essa premiação ele espera que a decisão abra caminho para a ampliação de conhecimento em outras universidades, especialmente aquelas públicas. Desde pequeno ele tem ouvido comentários preconceituosos, mas sabe que um grande contingente da população à margem da leitura e da escrita é portador de grande e vasto conhecimento.
Ailton Krenak ou Lacerda, como está em seu registro de nascimento, trabalhou na editora Abril como chefe de arte. Um grande conhecedor da área. Fizemos juntos um trabalho na Comissão Pró-Índio, onde ele deu prova de sua competência com a disseminação de conhecimento. Deixo para falar deste episódio mais tarde, em outro dia aqui neste mesmo espaço.
Voltando à premiação merecida: o título é concedido a personalidades que tenham contribuído para programas de educação, ciência, letras e artes. Defensor intransigente da causa indígena e do meio-ambiente, Ailton Krenak foi uma das lideranças que mais se empenhou nos anos 1980 para que os direitos fundamentais dos povos indígenas fizessem parte da Constituição Federal de 1988.
Ailton coordena ainda a rede Povos da Floresta. Só não entendi como ele encontra tempo para fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Quem sabe haja algum segredo, mas ao contrário das demais sabedorias, certamente essa ele não conta para ninguém. Mistério. Coisa de índio.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Barros de Alencar

Lenda viva do rádio brasileiro, Barros de Alencar apresentou nos anos 80 do século passado um programa de televisão que levava seu nome e concorria com o hoje ícone Chacrinha. Criou bordões que ficaram famosos no imaginário popular como "Alô mulheres, segurem-se nas cadeiras" e "Alô marmanjos, não façam besteiras". Promoveu concurso para eleger o melhor imitador de Michael Jackson que, para surpresa de todos, sagrou-se campeã Lúcia Santos, que ficou conhecida como a Maika Jeca.
Conheci esta figura com quem trabalhei na rádio Tupi de hoje, século 21, onde ia todas as tardes em carro dirigido por um sobrinho.  Uma flor de pessoa. Tinha problemas de saúde, que o obrigou a ser operado pelo conceituado médico carioca Paulo Pontes, o mesmo que tratou dos problemas da corda vocal do apresentador Silvio Santos. Passou também pelo Hospital de Câncer de Barretos, no interior paulista, uma operação bem-sucedida segundo a irmã Virgínia. Barros de Alencar é um vencedor em todos os setores por que passou.
Tem 84 anos e nasceu em Uiraúna (PB), terra do jornalista José Nêumanne Pinto, e também da deputada federal Luiza Erundina. Iniciou a carreira artística na rádio Borborema, em Campina Grande, depois tentou Recife, Fortaleza, Belo Horizonte e, finalmente, São Paulo, onde fez parte dos apresentadores das rádios Record, Tupi e América. Gravou versões tanto de poesia como de música e fez sucesso nas chamadas classes populares.
Ganhou vários prêmios internacionais. Um dia, quando a memória brasileira ganhar vitalidade, ele será o centro de um grande filme dirigido por um diretor de Hollywood.