segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Odair José, o Musical

Um dos maiores cantores brasileiros, Odair José, faz poesia para o povão, nada sofisticado, nada de grandes lances, tem versos simples, dá para aprender de maneira fácil suas músicas. Cruzei com ele na agência do publicitário Washington Olivetto, que o cantor humildemente chamava a toda hora de "seo Washington", responsável por um CD com dezenas de músicas cantadas por um pessoal jovem, à maneira e estilo de cada um. Belo espetáculo. Minha segunda surpresa em torno do ídolo que passou pela Jovem Guarda, transitou no meio de sambistas (chegou a morar em um quarto e sala com Ataulfo Alves) e até mesmo de sertanejos que o adoram, foi ao assistir à peça "Eu vou tirar você deste lugar - As canções de Odair José", dirigida e roteirizada por Sergio Maggio, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade de São Paulo.
Cantor das prostitutas e empregadas domésticas em um período dos mais cruéis que o País atravessou, a ditadura militar (1964-85), sofreu censura, foi aprisionado por rótulos que o diminuíam como artista e teve a sua obra colocada num balaio pejorativo, chamado de brega. No texto do folheto que recebemos antes da apresentação, Sergio Maggio esclarece que não se trata de uma biografia do cantor, mas que ele escolheu das 400 e tantas composições, 20 delas para contar em uma dramaturgia inédita em que homenageia o cantor. Fala, por exemplo, de barões do café, das casas de má fama frequentadas por eles, dos amores fugazes, das confissões sob lençóis que o tempo não apaga.
Odair José tem hoje, na visão de Maggio, uma obra musical reavaliada, reconhecida pela crítica especializada, respeitada pelos segmentos mais alternativos do pop-rock brasileiro e abraçada por criadores relevantes da nova MPB como Zeca Baleiro.
Sergio Maggio entregou a supervisão musical ao próprio Odair José. E colocou no palco bons atores e músicos, convidando a atriz e cantora Watusi, que brilhou no Moulin Rouge, de Paris, entre 1978-82, e que dividiu o palco com Gene Kelly e Ginger Rogers. Ela dá um show, está em grande forma.
Na apresentação do dia em que entrava o verão estava na plateia, assistindo, a cantora Maria Alcina, que vibrava com esta bela homenagem que foi feita como devem ser feitas a maioria delas, a meu ver: em vida. Porque homenagem póstuma só serve para inflar egos de parentes e amigos.


   

domingo, 14 de dezembro de 2014

Edenilton Lampião

Conheci Edenilton Lampião nas andanças pelas ruas de São Paulo a serviço da Folha, em 1975, ele repórter de O Globo, sucursal paulistana, cruzávamos em diferentes lugares e tínhamos variados assuntos. Só que a preocupação dele não era com os fatos ali diante de nós expostos, mas o universo, suas nuances, variações, o que girava em torno do sol. Tinha uma preocupação de saber se eu estava bem, se estava feliz com o emprego, procurava ligar para os amigos no JB, Globo, Estadão, Abril, em tudo onde pudesse encontrar com amigos que brincavam respondendo: "É lampi/É lampi/Lampi/Lampião/Meu nome é Virgulino/O apelido Lampião". Este paraibano nascido em Rio Tinto tinha alguma semelhança com o lendário bandido sertanejo que andou por terras nordestinas, mas a conversa parava por aí. Andava com óculos redondo tipo John Lennon, de quem era fã. Tocava em um conjunto com seu irmão, também jornalista, Eugênio Araújo, com João Teixeira e outros. Quando precisavam de instrumentos recorriam ao Eduardo Araújo (nada a ver com parentesco).
Um dia meu editor Odon Pereira pediu que indicasse profissional para vaga de copy e como Lampião estava desempregado falei em seu nome. No final do dia perguntei ao Odon se meu amigo havia feito contato, ele respondeu que não só ligou como também já o tinha contratado e que começaria no dia seguinte.
Não lembro se foi o primeiro ou o segundo pagamento que Edenilton recebeu da Folha, só sei que inadvertidamente tirou o dinheiro do bolso e foi alvo de ladrões no Largo do Payssandú. Levou uma surra e ficou em casa por semanas, enfaixado. Fui visita-lo, pelos lados do Ipiranga, conheci a mulher e seus filhos Guilherme e Luís Fernando.
Jards Macalé uma vez passou pela Folha e ficou conversando com Lampião por horas a fio. Também me convidou (e eu não fui) para uma noitada de samba na casa do cantor Cartola que tinha montado restaurante com dona Zica pelos lados da Vila Ré, aqui em São Paulo. Durou pouco.
Lampião deixou a Folha e foi trabalhar na revista Planeta, onde sucedeu Ignácio de Loyola Brandão. Com Paulo Coelho fundou a Ordem da Estrela Bailarina. Dizia ser "contra tudo o que é a favor e a favor de tudo o que é contra".
Um dia recebo ligação do cartunista Jota, que me fala que ele foi atropelado, ao voltar para casa, e que não resistiu aos ferimentos.
Tenho muita saudade do meu amigo Edenilton Lampião que acreditava no poder cósmico, onde certamente está viajando, sempre ligado em todos nós com sua sagacidade e bom coração.

Edenilton Araújo, Lampião, um dos melhores jornalistas deste País sem memória e sem História

domingo, 7 de dezembro de 2014

Chico Papagaio

Nos tempos idos da minha infância, passada mais da metade do tempo atrás do balcão onde mal alcançava, aparecia todos os dias, invariavelmente, o pernambucano Chico Papagaio. Começava a conversa com papai por volta das 8, 9h da manhã, dava uma pausa para o almoço, voltava e se estendia até ao final da tarde, por volta das 19h, antes mesmo de iniciar a telenovela que fazia a alegria de todos ali. Era estivador no cais de Santos, litoral paulista, e não saia de casa sem sua bicicleta.
Tinha uma penca de meninas, acreditava como seus antepassados que se chegasse à sétima filha a mais velha é quem teria de batizar, se tornar madrinha, sob pena de a última, a sétima da prole, se tornar bruxa. Ele acreditava piamente nisso. Só que ao invés da sétima filha veio um menino, ao qual ele batizou com seu nome, não sei se acrescentou o Filho ou Júnior. Não lembro mesmo. Só sei que as meninas quase não falavam. Só concordavam ou discordavam com um gesto da cabeça. A um simples olhar do pai as meninas diziam um lacônico "sim" ou discordavam respondendo um simples "não".
Chico Papagaio contava que em sua terra uma vez os amigos foram colher uma jaca tão grande que precisou de cinco a seis homens para tirar do pé. Levar para a feira foi outra epopeia. Os matutos faziam a farra. Era um desfilar de casos de sua terra, a amada Pernambuco das cirandas e dos bonecos gigantescos que desfilam todo carnaval.
Mas o que faz este mundo corporativo sempre explorando os mais necessitados e mesmo aqueles que nunca se aventuraram por seus corredores é de amargar. As duas meninas mais velhas do Chico Papagaio que não falavam, um dia se viram desafiadas a vender perfumes, desses que se oferecem de porta em porta. Elas procuraram as moças da minha família (mamãe e uma irmã, Regina, a caçula) e falaram com uma desenvoltura que causou surpresa para os vizinhos, que se juntaram e foram ver a exposição tão didática, feita de forma incomum por aquelas duas mocinhas, na flor da idade, desfilando um arrazoado de argumentos em favor dos produtos que ofereciam. Nada melhor do que uma venda, disseram aliviadas após vencerem a tal empreitada. Sucesso total. Milagre dos céus na terra do cangaço?

domingo, 23 de novembro de 2014

Eder Jofre

O primeiro campeão mundial brasileiro de boxe foi invicto por alguns anos. Tem seu nome no Hall da Fama do Boxe em Nova York. Nos anos 1960 se estabeleceu em uma cobertura nos Jardins, em São Paulo, onde hoje vive. Parou de lutar em 66 ao perder para o japonês Fighting Harada, com quem se encontrou anos mais tarde e se abraçaram. Conhecido como o "Galinho de Ouro", voltou a lutar em 69, agora como peso-pena. E sagrou-se campeão mundial de novo. Em 77, no auge, encerrou a carreira definitivamente. Tentou entrar no ramo de confecção com o selo "Galo de Ouro", costurando roupa de cama, mesa e banho. Em 1986 foi eleito vereador por São Paulo e reeleito durante 16 anos. Nesse tempo eu o conheci na Câmara Municipal.
Trabalhava por lá com um vereador e que tinha a sala em frente à sua. Uma noite ele tentou entrar, mas a sua sala principal estava fechada a chaves. Procurou na pasta, revirou tudo, não encontrou. Dei a sugestão por brincadeira: "Dê uma porrada bem forte, como nos velhos tempos". Topando a brincadeira ele posou como se estivesse no ringue. Simulou estar socando a porta de seu gabinete de vereador. Demos risadas. Até que sua secretária ligou para o setor de manutenção do prédio e alguém trouxe uma cópia da chave e abriu a porta.
Falava no dia seguinte com o editor da coluna "Painel" da Folha de S. Paulo Andrew Greenles, hoje vice-presidente da CDN, a maior agência de comunicação empresarial do País, e ele publicou a nota.
No dia seguinte entrei no gabinete de Eder Jofre, que estava com o jornal em sua mesa, todo sorriso. Liguei para o Andrew, mas antes disse que o colega era escocês. Eder se dirigiu a ele em inglês impecável. Falaram por meia hora. Nada de português. Nessa hora ele era só alegria.

domingo, 9 de novembro de 2014

Bolivianos

Tenho cruzado com certa frequência com bolivianos, a todo dia e a quase toda hora. Moro no centro da cidade de São Paulo, e é onde uma parte deles se concentram. Se bem que tem um bairro onde eles se reúnem nos finais de semana para se encontrar, trocar ideias, falar mal da vida, conversar sobre empregos. Tem uma rádio comunitária, onde cada um manda mensagem para amigos ou parentes que estejam por aqui ou que permaneceram em seu país, bem pertinho e vizinho daqui do nosso Brasil.
Fiz parte do júri que deu prêmio pelo Sindicato dos Jornalistas ao colega Antônio Carlos Fon que escreveu bela reportagem sobre os bolivianos para uma revista de circulação ínfima. Defendi a premiação para fazer justiça a este grande repórter e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para este povo espoliado, injustiçado, colocado às margens neste Brasil imenso e trágico.
Esse povo, pelo que tenho conversado vive mal por aqui, mas por lá é pior ainda. Uma moça com quem conversei recentemente em uma viagem de ônibus me disse que ganha um salário dez vezes maior do que quando morava na Bolívia. Quando ela desceu e caminhou meio que envergonhada em direção à favela, achei que estava exagerando. Outros bolivianos confirmaram a extrema pobreza em que viviam.
A maioria dos bolivianos vivem do difícil trabalho da costura. Pedalam máquinas industriais produzindo roupas que são vendidas na elegante e charmosa Oscar Freire como também em lugares bem distantes do comércio popular destes rincões Brasil afora. E vivem em uma miséria de dar dó. São explorados à exaustão, muitas vezes pelos próprios conhecidos e amigos de lá.
O Ministério do Trabalho volta e meia atende a reclamação de algum boliviano mais revoltado com a situação e dá uma dura. O pior ainda neste Estado em que vivemos é a falta absoluta de segurança. Muitos desses trabalhadores têm sido assassinados por nada. Simplesmente porque os ladrões acreditaram que eles tinham um montão de dinheiro no cofre e, ao abrir, acabam decepcionados porque ali não tinha nada.
Esse povo vive uma insegurança de arrepiar. É preciso fazer mais do que o Ministério do Trabalho sazonalmente faz. É preciso estar atento 24 horas para que não se dizimem uma parcela dos bolivianos que aqui vieram por falta de lugar melhor e mais promissor para que saíssem da miserabilidade em que estavam e continuam atolados. Só querem trabalho e dignidade.




Flagrante de uma boliviana em seu local de trabalho e moradia, onde ainda com coragem criam filhos

domingo, 19 de outubro de 2014

Samuel Wainer

Eu o vi poucas vezes na redação da Folha de S. Paulo, onde trabalhava nos idos dos anos 1975, a figura de Samuel Wainer não passava em branco, evidentemente, para alguém como eu, que estava praticamente começando na profissão. Imaginava o que se passava por sua cabeça. Foi dono de jornal, construiu um império, coisa que mais tarde deixou registrado em memória no magnífico "Minha razão de viver". Depois, o colega Benício Medeiros, do Rio, relembrou mais episódios, desta vez focados no dia a dia da redação do jornal Última Hora em "A rotativa parou".
Vi S.W., como às vezes assinava na página 2 da Folha, somente com suas iniciais, entrando na sala do diretor Claudio Abramo. Passava por ele sempre calado, pensativo, circunspecto. Contaram que ele passava todos os dias na sala do dono do jornal, seu Frias, a quem entregava as laudas datilografadas contendo sua visão sobre o mundo a partir do Rio de Janeiro, cidade onde viveu e trabalhou a maior parte de sua vida.
Meu colega Nicolau Farah deixou a Folha para editar o Aqui São Paulo dirigida por Samuel Wainer, semanário que durou pouco. Mais tarde conheci sua filha Pink Wainer, mestra no design gráfico.
Ficava imaginando o que se passava por sua cabeça. Samuel Wainer foi dono de jornal, teve poder, influência, brigou com o sempre do contra Carlos Lacerda, arrumou uma penca de inimigos por esses tempos idos e vividos. Acabou escrevendo em um grande jornal à época, claro, só que era empregado, e se limitava a batucar as 40 linhas de 70 toques dando sua visão de mundo a partir dos ares cariocas. Tentava recomeçar sempre, isso era mais do que suficiente para, aos olhos de um repórter como eu, transmitir a ideia verdadeira de que era um grande homem, não importa onde tenha nascido (outro motivo aproveitado por seus adversários), ele foi antes de tudo um brasileiro, um grande brasileiro que amou este País.

  Samuel Wainer, criador de tantos jornais e revistas, entre elas o diário Última Hora

sábado, 27 de setembro de 2014

Getúlio Bittencourt

Era um jornalista com memória excepcional, capaz de lembrar trechos de livros, poemas inteiros, dono de um texto excelente, dos melhores de nossa imprensa. Getúlio Bittencourt, mineiro, tinha dois empregos. Repórter da Folha de S. Paulo à tarde, pela manhã acordava bem cedo e ia para a Prefeitura de Guarulhos, onde ficava até a hora do almoço prestando serviços de assessoria de imprensa. Conheci sua mulher à época, um filho, Dimitri (teve outro, Diego), e o convidei para ser meu padrinho de casamento. Quando teve de ficar full-time na Folha ele deixou a assessoria da cidade da Grande São Paulo e me convidou para ficar em seu lugar. Agradeci e recusei, não queria sacrificar minhas manhãs como ele o fazia, disse que a cidade era longe. Indiquei o jornalista Carlos Alberto Barbosa que aceitou e ficou por lá até se aposentar.
Getúlio fez carreira na Folha de Cláudio Abramo, que gostava muito dele. Escreveu uma entrevista com o General Figueiredo sem gravador, apenas de memória, publicada pelo editor-chefe Boris Casoy. Foi para a revista Veja. E se aproximou do Presidente Sarney, de quem se tornou astrólogo e comunicador. Depois foi para a Gazeta Mercantil nos Estados Unidos.
Afável, cuidou dos filhos de mulheres com quem se casou. Autodidata, tinha passado por algumas experiências em teatro. Dirigiu e deu forma ao jornal Diário do Comércio e Indústria, do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, em sua versão impressa e eletrônica.
Escreveu alguns romances, ensaios e deu entrevista falando de jornalismo, verdadeiras lições de um repórter e editor de primeiro time. Se houver Justiça e Memória neste país um dia alguém reunirá toda a produção e entrevistas que ele deu e publicará em livro, que servirá de lição para os estudantes e a nova geração de estudiosos da Comunicação.  

O mineiro Getúlio Bittencourt, um dos melhores jornalistas deste País sem memória

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

roberto freire e alex periscinoto

Tinham a mesma idade, foram vencedores cada um em sua área, talento, honestidade, versatilidade, ética, tudo os unia. Roberto Freire, psiquiatra, anarquista, criador do romance "Cléo e Daniel", teve participação importante nos festivais de música popular que revelou Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e a Jovem Guarda, tudo isso ele fez, além de ter se destacado na revista "Realidade" como autor de reportagens épicas, ganhadoras de Prêmio Esso. Foi um revolucionário. Estava na "Caros Amigos" do Sérgio de Souza.
Tinha um programa feito ao vivo na Rádio Bandeirantes AM, que tem vozes famosas como Salomão Esper, José Paulo de Andrade e tantas outras feras. Noite de domingo. Outro convidado no mesmo programa, o publicitário Alex Periscinoto, inventor e criador de tantos anúncios hoje clássicos. Os dois se olharam, parece que no silêncio queriam dizer o que há décadas estava na garganta de cada um.
Falei para o Roberto Freire que ele estava diante do Alex Periscinoto, eles disseram que se conheciam, eram da mesma época, tinham a mesma idade, tinham enfrentado os mesmos problemas, cada um a seu modo. Só que nunca haviam se encontrado. O que eles conversaram não sei, não fiquei por perto. Só sei que foram horas de conversa, um papo de amigos que há décadas queriam se encontrar. Dois gênios. Quem pode contar o que falaram é o Alex Periscinoto, que está na ativa, isso se ele não estiver em viagem com algum cliente - sua mulher já se acostumou a arrumar sua maleta às pressas com algumas poucas mudas de roupa, ele dá o sinal e em questão de minutos está a caminho de uma grande reunião que tanto pode ser nos Estados Unidos quanto na China, na Índia, na Nova Zelândia, para ele tanto faz. O importante é que dali sairão grandes negócios que ele, discretamente, nunca revelou quais são, mas que certamente farão deste Brasil um país um pouco mais rico.

 Roberto Freire, romancista, psiquiatra, autor de peças teatrais, integrante da revista Realidade
Alex Periscinoto, publicitário renomado, criador e responsável por inúmeros comerciais de sucesso

O fascista

Santos, cidade litorânea, atrai forasteiros pela brisa de seu mar, de águas límpidas, azuis, verdes, mas também pelo centro onde o cais se tornou centro do comércio, de barganha e de exportação. Um caipira veio do interior do estado e cismou com um colega de "A Tribuna" que assinava artigos nas páginas de Economia com o mesmo nome, aí achou que o antigo deveria deixar de lado esta marca já tradicional e procurar outra, quem sabe mudar de nome. Claro que o tradicional colega não aceitou. Bem. O rapaz interiorano - nada contra os caipiras hein! - assumiu a sucursal de "O Estado de S. Paulo" nos idos dos anos 1972, por aí, e me convidou para conversar. O convite veio através de dois colegas que prezo demais até hoje, gente de primeira linha. Fez a proposta, disse que eu deveria deixar o jornal onde trabalhava, o "Cidade de Santos" editado pelo José Alberto de Moraes Alves Blandy, e passaria a fazer reportagens para o vetusto Estadão.
Perguntei quanto deveria ganhar pelo trabalho, afinal perguntar não ofende, e ele respondeu: "Nada". Quis ter certeza de que estava ouvindo direito. "Você não vai ganhar nada, vai trabalhar aqui para a família Mesquita, o que é uma honra".
Quando se tem a idade por volta dos 20 anos a gente não mede as palavras. Chamei-o de "fascista". Virei as costas e o deixei com meus dois amigos de que tanto gosto e admiro até hoje como já disse.
Vez ou outra quando eu já estava trabalhando na "Folha de S. Paulo" o "fascista" se queixava de mim, dizendo que eu o chamei de algo que ele definitivamente não era, argumentava, se defendia. Contava aos meus amigos que eu não mencionava seu nome, só o taxava de "fascista".

 O porto de Santos atrai todo mundo do interior que fica fascinado pela cidade litorânea

domingo, 17 de agosto de 2014

Oscar Niemeyer

Doutor Oscar, como o chamava, integrava uma comissão para fazer o Memorial Jânio Quadros no parque do Ibirapuera. Eu fazia parte desta comissão, era o mais novo dos integrantes que tinha ainda José Aparecido de Oliveira, César Arruda Castanho e Rodolfo Konder. Ele marcava as reuniões, principalmente visita aos locais, bem cedo. Isso porque não gostava de viajar de avião, preferia vir de carro do Rio de Janeiro. Quem dirigia era um neto que estudava Arquitetura em Mogi das Cruzes.
Percorríamos o Parque do Ibirapuera, Doutor Oscar Niemeyer dizia não concordar com aquelas casas que davam os fundos para o mais famoso verde da cidade. Mas nada podia fazer. Tudo era questão de dinheiro.
Algumas senhoras que faziam caminhada queriam cumprimentar o mais famoso e querido arquiteto deste país. Ele atendia a todas com  modéstia que o caracterizava.
De repente eis que surge a colega Renata Falzoni, famosa por difundir o uso das bicicletas nesta cidade cheia de carros. Sei que ela é arquiteta. Por isso eu lhe disse: "Adivinha quem é este senhor?". E ela gritou um sonoro palavrão. Doutor Oscar não entendeu. Ela mesma explicou descendo da sua bike: "Nunca ando sem minha máquina fotográfica, hoje deixei em casa, não me perdoo". O grande arquiteto disse que não tinha importância, outra hora eles se encontrariam.
Renata havia perdido seu cachorro. O neto de Oscar Niemeyer a ajudou a procurar o cãozinho, que foi encontrado horas depois.
O Memorial nunca saiu do papel. Pena. Seria mais uma grande obra deste homem que atravessou os 100 anos de vida para um dia fazer parte da História.


 
     Doutor Oscar, um gênio que dá orgulho para todos nós, um dos maiores personagens brasileiros

domingo, 10 de agosto de 2014

Santo Luciano

Em qualquer lugar do País quando nos encontrávamos ele dizia com a simplicidade que o caracterizava: "Você por aqui?". E o encontrava de norte a sul. Viajava de ônibus, de barco ou de avião. O então bispo auxiliar de São Paulo, Dom Luciano Mendes de Almeida, carioca da gema, irmão do educador Cândido Mendes, era ao que me lembro incansável. Participava de reuniões de manhã, de tarde e de noite. Nunca mostrava estar cansado, enfastiado ou mesmo chateado. Certa vez uma freirinha achou que ele estava dormindo. Ledo engano: ele contou a ela tudo o que estava rolando, não havia perdido nem um segundo do que se falava.
Foi o responsável pela liberdade dos padres franceses Aristides e Francisco que, junto com mais 13 posseiros foram presos políticos do último governo militar, de João Figueiredo. Foram a julgamento e saíram antes da Anistia de 1979. Anos mais tarde D. Luciano estava com os sacerdotes em uma livraria e os apresentei ao empresário Fernando Gasparian, que havia editado meu livro sobre o episódio dos precursores do Movimento dos Sem Terra. Eles falaram em francês impecável por horas e horas.
Ajudei a escrever seu único livro publicado e às vezes ele dizia: "Nosso livrinho sobre a Vida está vendendo bem". Quando ocupou a secretaria geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ficou com a campanha da fraternidade em mãos sem saber o que fazer. Meu amigo Palmério Dória, da TV Globo, veiculou o material sem custo para a instituição. D. Luciano pediu que eu o agradecesse em nome da Igreja.
Morava no bairro Belenzinho, na zona leste de São Paulo, e às vezes levava os pobres para dormir em sua casa. D. Paulo Evaristo Arns uma vez o advertiu para que tomasse cuidado com as pessoas, elas podem fazer loucuras quando drogadas. Mas D. Luciano era assim mesmo, não suportava as diferenças.
Hoje soube pelo teólogo Fernando Altemeyer, seu aluno, que há um processo no Vaticano para a canonização de D. Luciano Mendes de Almeida que, em vida foi um santo, agora ao reconhece-lo santo, a Igreja nada mais fará do que chancelar uma realidade palpável de alguém que pregou a paz e o amor quando passou por aqui.

O bispo D. Luciano Mendes de Almeida, presidiu a CNBB e foi bispo auxiliar de D. Paulo Arns.

domingo, 27 de julho de 2014

Irede Cardoso

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Era mais ou menos como pensava Irede Cardoso, jornalista, com quem trabalhei na "Folha de S. Paulo" nos idos dos anos 70 da década passada. Ela tinha uma preocupação com seus títulos acadêmicos, afinal estava subordinada a um craque, o colega editor Perseu Abramo, um dos criadores da Universidade de Brasília, responsável pela área de Educação.
Foi nessa época que eu confidenciava um problema que tinha com minha mãe, que nunca havia aceito minha saída de casa, chegando algumas vezes a dizer que iria se matar por causa disso, ao que Irede como mãe que era respondia com tranquilidade: "Sua mãe está fazendo chantagem, só isso, esqueça isso dela sofrer com sua ausência, porque isso passa". De fato passou, como eu mesmo contei a ela que me confidenciou que tinha um peso na consciência por ter abandonado dois filhos em sua cidade para se casar com outra pessoa, a quem conheci apresentado por ela quando estava em um barzinho do Largo do Arouche. Anos mais tarde ela se reconciliou com os filhos, já adolescentes, e que a amaram muito.
Durante cobertura de cerco da Polícia Militar aos estudantes levou uns golpes de cassetete no traseiro, mas rapidamente revidou, apontando o dedo para o PM dizendo que ele jamais faria isso em um homem. Depois o salvou de apanhar de um grupo de jornalistas que se solidarizaram com ela.
Além da Folha, onde fez brilhante carreira, chegando a ser editora de uma área em que o jornal apostou, de assuntos ligados à comunidade paulistana, Irede Cardoso trabalhou na TV Mulher da Rede Globo ao lado de Marilia Gabriela, Irene Ravache, Ney Gonçalves Dias, Clodovil e Rose Nogueira. Um time dos melhores profissionais.
Foi vereadora em São Paulo por dez anos, onde criou uma série de confusão por se posicionar em favor da mulher. Era, afinal de contas, uma feminista que ajudou inúmeras mulheres a se destacar como atletas, lideres de classe, gente das mais diversas camadas sociais e profissões. Uma inovadora.

                     A escritora, jornalista, psicóloga, educadora e sempre inquieta Irede Cardoso

domingo, 20 de julho de 2014

O Rei dos Jingles

Todo mundo que viveu a época se lembra dos comerciais da Varig. O responsável era o funcionário Archimedes Messina. Um compositor talentoso que pesquisava o assunto, colocava as coisas em ordem e um belo dia a música estava pronta para ir ao ar. "Estrela brasileira num céu azul/Iluminando de norte a sul/Mensagens de amor e paz/Chegou o natal".
Comercial do café seleto, dos cobertores Parahyba, do programa Silvio Santos: "Agora é hora de alegria/Vamos sorrir e cantar/Do mundo não se leva nada/Vamos sorrir e cantar".
Contou que ao ler o  magnífico livro do Arlindo Silva não havia citação a essa música. Liguei para o querido amigo que me respondeu: "Não está registrado porque eu não sabia disso. Pode ficar sossegado, na próxima edição do livro vou botar essa informação, importante para a História". Não deu tempo. Arlindo Silva partiu sem combinar com a gente.
Muitos músicos, alguns de sucesso, fizeram jingles. Mas ninguém o fez com tanto talento quanto Archimedes Messina, para mim o rei dos jingles. Elifas Andreatto, o grande artista plástico e editor da revista da TAM sonhou um dia em levar ao teatro uma peça com ele, mostrando todas as suas músicas, mas não sei o que deu que o projeto virou água. Pena. Messina contou um segredo que compartilho com todos: me disse que não toca violão, piano, flauta, nada nada. Mas ainda na ativa compõe jingles como poucos.




O grande artista Archimedes Messina, maior compositor de jingles deste país

sexta-feira, 11 de julho de 2014

As curvas de estrada de Santos

Iniciante na profissão, entrou na redação sem cumprimentar ninguém, passou pelo chefe de reportagem Flávio Gazetinha (correspondente da Gazeta Mercantil em Santos), pelo secretário João Sampaio e chegou ao editor-chefe José Alberto Blandy. Estávamos na redação do jornal "Cidade de Santos", do grupo "Folha", anos de chumbo, ditadura militar.
O jovem impetuoso, ainda estudante de jornalismo, chegado há pouco ao diário, teve como tarefa fazer reportagem sobre uma carreta que havia tombado nas curvas da estrada de Santos, como insistia no rádio a tocar a música do "rei" Roberto Carlos.
Sua primeira frase ao chefe: "Assim não dá". Ganhou fôlego e voltou a falar: "Fui cobrir a tragédia de uma carreta, mas não aconteceu nada disso". Perguntado se ele tinha feito alguma anotação, um registro, ele perguntou: "Pra quê? Só vi um fusquinha na serra, parece que houve uma tragédia ou quase". Blandy perguntou se ele havia anotado, checado se havia alguém no tal fusquinha tombado. Nada. "Vocês me mandam cobrir uma tragédia envolvendo uma carreta e o que encontro? Um reles fusquinha. Nem dei bola, fui em frente, dei meia volta e aqui estou".
Para o bem da verdade é bom que se diga que o pequeno foca se candidatou a vereador em Guarujá e foi eleito. Segundo consta foi um bom parlamentar. Na faculdade, que completou à noite, todos brincavam chamando-o sempre de "nobre edil". Ele nem dava bola. Estava acima de tudo e de todos. Seu negócio a partir dali era outro.


As famosas curvas da estrada de Santos, imortalizada por Roberto Carlos em plena ditadura militar

domingo, 22 de junho de 2014

José Aparecido de Oliveira

Deputado federal por Minas Gerais, cassado pelos militares em 1964, secretário particular do Presidente Jânio Quadros, o jornalista José Aparecido de Oliveira ao ver pela TV o cartola eterno da Fifa João Avelange disse ter grande admiração por esta figura porque aos quase 100 anos de idade percorria o mundo divulgando os esportes e levando o nome do Brasil por todos os rincões possíveis.

Foi o único amigo de Jânio a visita-lo com frequência quando todos os demais fugiram, com a desculpa de sempre, de que não suportavam ver aquela figura outrora tão dinâmica em uma cadeira de rodas depois de sofrer um acidente vascular cerebral.

Tinha amigos por toda a parte do País. Em tempos difíceis ajudou a levantar "O Pasquim" injetando recursos naqueles tempos difíceis. Nunca revelou isso para ninguém. Todo final de ano reunia amigos em seu apartamento na Avenida Atlântica e não faltavam Niemeyer, Millôr, Cony, Chico Caruso e tantos outros intelectuais e artistas.

Alberto Pinto Coelho, atual governador de Minas, é seu sobrinho. O filho José Fernando foi prefeito de Conceição do Mato Dentro e deputado federal pelo Partido Verde, eu o encontrei na Câmara Federal onde fomos tomar um cafezinho.

Frequentador dos salões da elite, uma vez um quatrocentão paulistano lhe perguntou de que família do ramo dos Oliveira ele descendia, lá pelas bandas das Minas Gerais, ao que ele prontamente respondeu: "Sou descendente direto de Nossa Senhora Aparecida".

domingo, 8 de junho de 2014

Fotógrafo filósofo

Dirceu Leme antes de ser repórter fotográfico na "Folha" trabalhou como operário em fábrica. Ao ouvir todos os dias pontualmente às 18h00 a sirene tocar na redação ele dizia que isso acontecia não por acaso, mas para todos perceberem que não havia, a rigor, diferença entre a redação de um jornal e uma metalúrgica. Outro dia ainda ouvi a sirene tocar na redação da 'Folha'. Outra de suas pérolas filosóficas: aconselhava a nunca mexer com o patrimônio sagrado da classe média, o carro: "Pode roubar a mulher do classe média, mas se esbarrar com o carro dele pode ficar certo de que ele ficará uma fera, vai massacrar quem chegar a isso, vai até lhe matar".
Estávamos nas imediações do Teatro de Arena altas horas de madrugada falando sobre a vida quando, de repente, em frente ao bar Redondo duas mulheres se engalfinharam no chão. Uma delas pegou o sapato salto alto e bateu tanto na outra com tanta fúria que o sangue correu no asfalto. Comentário de Dirceu: "Não suporto ver essas cenas, me deixam deprimido".
Era um dos profissionais preferidos por diretores e atores do Arena. Organizou junto com o jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão uma antologia de músicas contando a história de Zumbi dos Palmares para o Teatro de Arena. Tinhorão era, aliás, um de seus ídolos, dono de um texto primoroso e um sábio.
Sempre que saíamos juntos para fazer reportagem sentia que ele não gostava que o apressasse por nada: "A Folha não paga adicional por insalubridade, não vou correr, não vou me enfartar nem tornar meu tempo mais curto por causa disso", se esquivava. Recomendava a leitura da biografia de Jack London e do livro "O tacão de ferro", seu preferido. Lia o que lhe caía em mãos. Era, em suma, além de magnífico profissional da fotografia um grande filósofo.


Uma das paixões de Dirceu Leme, o preferido pelos diretores e atores do Teatro de Arena em SP

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Em busca do tesouro


 
 
Volta e meia Hilton Libos aparecia, depois sumia sem dar explicação nem dizer por onde andava. Eu o conheci na redação da “Folha de S. Paulo” em 1975 e, uma vez, à saída do prédio, apareceu um padre alto, com batina e pastinha de couro, ele pegou sua mão, beijou e pediu humildemente: “Padre, a sua bênção”. Trinta e cinco anos depois, o jornalista Luiz Marcio Caldas Junior o encontrou em missa na igreja dos beneditinos.

Entregava-se de corpo e alma a projetos que nunca sairiam do papel, mas que ele acreditava ao ponto de oferecer a donos de empresa, como Otavio Frias Filho, que o ouviu atentamente explicar como seria uma edição vespertina da “Folha” distribuída nos terminais rodoviários, de trens, metrô e em outros locais de grande concentração popular. No final da explanação ouviu um sonoro “não”, ainda assim ficou em dúvida se iria ou não procurar outros donos de jornais para continuar oferecendo seu projeto.

Mas o que foi uma de suas maiores aventuras talvez tenha sido o da busca de um tesouro perdido nos mares. Leila Alckmin, vidente que seduziu o sonho de alguns governantes paulistas, revelou que em seus sonhos apareceu um baú cheio de ouro nas matas da região compreendida entre Ilhabela, Ubatuba e São Sebastião. Muitos séculos atrás uma escuna comandada por piratas sanguinários teria encalhado nesse local e, antes que fosse saqueada por rivais, um dos malfeitores de capa e espada pulou em um barco e levou consigo o tesouro, que escondeu entre bananeiras e amoreiras.

Hilton Libos contou a história para um fotógrafo e um funcionário do sindicato dos jornalistas do estado de São Paulo e, juntos, foram para o local dito sem muita certeza e precisão do local indicado pela vidente. Ficou por lá em uma cabana como Robinson Crusoé, os dois amigos retornaram às suas atividades por aqui e passaram a descer para o litoral uma vez por mês. Nada de encontrar o tesouro. Um dia ele diz aos dois amigos que precisavam comprar um equipamento caro, sofisticado, que indicaria com mais precisão onde estava o baú cheio de ouro. Investiram uma quantia razoável em dinheiro para a compra de tal aparelho, mas não deu certo. Nada de tesouro.

A aventura em busca do tesouro durou mais de 6 meses previstos inicialmente e se arrastou por mais um tempo, coisa de um ano. Findo do qual o jornalista resolveu voltar para a sua São Paulo querida. Sem dinheiro algum no bolso, encontrou o dono de dezenas de sebos que havia sido gráfico e que lhe deu uma das bancas para trabalhar. Quem foi um de seus clientes? O vice-governador Alberto Goldman, que Hilton Libos fez questão de me apresentar e a autoridade respondeu dizendo que me conhecia há pelo menos algumas décadas. Eu havia feito reportagens denunciando o uso da máquina e nepotismo do político comunista.

Um dia Hilton Libos abandonou a banca de livros usados. Voltou para a redação, onde achava que era o lugar de jornalistas. Mas isso já é outra história, das muitas que viveu o paranaense de sonhos líricos.

terça-feira, 27 de maio de 2014

O interrogatório


Não foi uma vez, foram várias intimações a que respondi perante a Polícia Federal, onde era convocado por ser o responsável pela sucursal paulista do jornal “Repórter”, editado no Rio de Janeiro. Um advogado de presos políticos ficava de acompanhar cada depoimento, só que ele nunca compareceu. O jornal não lhe pagava e ele achava que não tinha a obrigação de defender ninguém. Tive de me virar sozinho. Isso nos idos dos anos 80 da década passada.

Certa vez ouvi o delegado falar ao telefone para Brasília, de onde vinham as ordens: “O pessoalzinho do jornal Repórter já está aqui na antessala para serem interrogados, daqui a pouco começo a ouvir seus depoimentos, mas pode ficar tranquilo porque se trata de uma gente educada”. Aquele era o bando de uma só pessoa, no caso, eu.

As perguntas eram as mesmas: por que determinada pauta, como é que as reportagens foram editadas, por quem, queriam saber se havia alguma intenção por trás das manchetes, essas coisas.

Depois de lido os depoimentos, devidamente anotados na máquina de escrever pelo policial, tinha de assinar o documento em nem-sei-mais por quantas vias. Daí também aparecia em cena novamente o delegado, que me convidava para tomar cafezinho no bar em frente à sede da Polícia Federal. Descíamos conversando sobre assuntos dos mais diversos, até opinava sobre política, já que ele estava cansado de saber que eu era contra a ditadura militar.

Certo dia, vi dezenas de caixas lacradas em uma sala e perguntei o que os policiais haviam apreendido. Era um lote dos chamados “catecismos”, revistinhas pornográficas assinadas por um certo Drago, desenhista que fazia os originais, copiava em máquina Xerox que ele alugava da multinacional porque na época não vendiam e distribuía ele mesmo nas bancas de jornais. A PF acabou com o negócio. O assunto valia uma bela pauta. Peguei os dados do desenhista com o escrivão e fui à sua casa, onde o entrevistei. Valeu uma bela reportagem.
 
                                          Uma das inúmeras intimações para "prestar esclarecimentos"

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Herbert Levy

Processado pelo ministro da Justiça do Presidente José Sarney, arrolei como testemunha o empresário Herbert Levy, criador e presidente do jornal "Gazeta Mercantil". Tinha feito reportagem no "Estadão" a respeito do sumiço de 15 mil sacas de café nos idos dos anos 60 da década passada, informação obtida por senador de respeito (chegou a presidência da República, onde exerceu dois mandatos) e não tinha como falar com o próprio acusado, já que ele inicialmente havia se recusado a responder, mas depois o fez através de processo na Justiça.
Sede da Justiça Federal de São Paulo. Juiz, promotor, advogados e até uma autoridade judiciária enviada pela Presidência da República para acompanhar o caso. A certa altura o juiz perguntou:
"O senhor confirma o sumiço no porto de Santos de 15 mil sacas de café?". Disse sim. A seguir, a autoridade se dirigiu ao ex-deputado da antiga UDN que havia presidido comissão que investigou o caso e Herbert Levy respondeu na lata: "Quanto mesmo? Quinze mil sacas? Mas este repórter aqui (dirigindo-se a mim) foi generoso, foram infinitamente mais, devo assegurar a Vossa Excelência que o jornalista foi modesto, essa cifra é pequena diante do roubo deste cidadão, hoje ministro da Justiça".
Risos da autoridade que tinha vindo de Brasília especialmente para acompanhar o caso.
Fui absolvido do processo, o ministro recorreu à sentença mas perdeu novamente e o caso foi devidamente arquivado.


                                                               O empresário Herbert Levy

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Carlos Drummond de Andrade


 

Liguei para o Carlos Drummond de Andrade, ele mesmo atendeu, tinha voz de menino. Anos 80 da década passada. Disse que estava falando da redação da revista “Veja” e que a reportagem era sobre o jogo do bicho. Mais que depressa o Poeta respondeu: “Eu não sei nada de jogo do bicho”. Tentei convencê-lo a falar, afinal o jogo foi inventado por um certo Barão de Drummond, que administrava o zoológico do Rio de Janeiro e, certo dia, ao ver os bichos em situação de penúria inventou uma forma de arrecadar rapidamente. Como tudo aqui no Brasil começa bem e nunca se sabe como termina, salvos os animais, o jogo correu solto, mesmo na clandestinidade em que foi atirado e em que está até hoje.

Mas o Poeta não queria saber do jogo do bicho. Perguntei se o Barão de Drummond era seu parente, quem sabe um avô ou outro familiar distante, ele disse que não. Insisti e ele revelou nunca ter feito jogo de bicho, não sabia como fazer uma aposta. Mais uma vez pediu: “Me deixa fora desta reportagem, não tenho nada com o jogo do bicho”. E riu. Pensei: é mesmo, o que o grande poeta, cronista, reconhecido mundialmente tem a ver com o malfadado jogo do bicho? Me despedi e ele foi gentil, disse que estava à disposição para falar de Literatura e que sempre que eu quisesse poderia ligar. A modéstia em pessoa. Só que Literatura era assunto de outro colega, da baia ao lado, Mario Sergio Conti, que havia me passado o telefone da casa de Drummond. Cora Coralina e Adélia Prado foram descobertas de Drummond, que as tirou do anonimato.

A matéria saiu na revista sem a palavra do Poeta, meu editor (de Brasil) não gostou do insucesso da fala que iria ilustrar a reportagem sobre mais uma tentativa de regulamentação oficial do jogo do bicho em Brasília, mas a voz e a gentileza do mais ilustre itabirano do mundo haviam me encantado. Diria como ele, hoje tudo isso é um retrato na parede, mas como dói.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Vilanova Artigas

O grande romancista Milton Hatoun falou dele em crônica semanas atrás, confessava sentir saudade do grande Mestre na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP onde estudou. Também tenho boas recordações do Professor João Batista Vilanova Artigas, mas como fonte nesta área. Cobria a editoria de Cidades da Folha e tive como chefe importante e profundo conhecedor do assunto, Odon Pereira, que pegava cada linha e questionava se erro houvesse. Tudo em busca, se não da perfeição, pelo menos de algo próximo.
O prefeito na época era nomeado pela ditadura militar, e coube ao então banqueiro Olavo Setúbal, dono do Itaú, a ingrata missão, que cumpriu bem. O jornal onde trabalhava, Folha de S. Paulo, dava liberdade de garimpar pautas na área de urbanismo comparável apenas à estrela do momento, o Jornal da Tarde do grupo Estado. Entrevistava diariamente o prefeito e, muitas vezes, passava antes no escritório do arquiteto Artigas para que me orientasse a respeito de alguns problemas da cidade. Uma tarde o prefeito explodiu: "Mas esse professor só faz crítica, não apresenta solução". Levei a questão de volta a Artigas que respondeu de pronto: "É claro que eu critico, é meu papel, porque se for para dar solução o prefeito que me contrate".
Artigas projetou o prédio da FAU, que está hoje interditado por necessidade de reformas que a atual gestão da Universidade abandonou, sabe-se lá por quais motivos. Quem conhece o prédio sabe da beleza de suas linhas. Mas há os críticos chatos de sempre, que pegavam no que podiam, acusando o autor de não colocar corrimão ao longo do caminho. Perguntado uma vez se alguém caísse daquelas rampas, o que deveriam fazer, Mestre Artigas respondeu com a simplicidade de sempre: "Chame a ambulância".

                                                         
                                                          João Batista Vilanova Artigas

terça-feira, 15 de abril de 2014

O Poeta


Encontrei o Poeta Gerardo Mello Mourão sozinho em leito do Hospital Beneficência Portuguesa. Falamos pouco sobre jornalismo (ele foi correspondente da “Folha” na China) e menos ainda sobre literatura (só por ter escrito um romance como “Valete de Espadas” seu lugar na Academia Brasileira de Letras estava assegurada). Deixei que ele falasse de um caso que o tinha espantado, parecia que isso, de certa forma, encerrava com uma dura lição. Gostaria que ele escrevesse a respeito, mas como não o fez, faço-o agora com menos brilho e talento.

Velho patriarca mineiro, dono de banco que em comercial dizia abrigar como guarda-chuva seus correntistas, certo dia chamou o filho a quem havia passado a chave do comando. Disse que Zé Mineiro o procuraria em poucos dias para pedir um empréstimo. Contou que não se assustasse com a aparência humilde do amigo, mas que ficasse certo de que a fortuna que a família amealhou na vida devia a pessoas como esse mineirinho, amigo nas horas certas e também incertas.

Passado um tempo veio à ideia do patriarca lembrar o caso encaminhado para o filho. Perguntou se ele tinha resolvido o problema. O filho disse que tecnicamente não havia a menor condição para a concessão do empréstimo. O pai cortou de pronto, afinal, argumentou, se fosse preciso passar pelas comissões técnicas ele não precisava recorrer ao filho. Bastava chamar um diretor da área técnica e expor o problema, ordenando que tudo se resolvesse. Mas como o filho é quem estava no comando do banco ele lhe encaminhou o problema, certo de que tudo seria resolvido da melhor forma possível.

Meses depois o banco entrou em situação falimentar, houve tentativa de socorro das instituições financeiras governamentais, mas sem sucesso. O velho patriarca atribuiu o fracasso da gestão do banco que um dia fundou a mil questões, entre elas a que levou ao filho para resolver, e que a insensibilidade atroz impediu de fazer algo - uma metáfora do fracasso e da insensibilidade aliadas que costumam dar no que dão.

 Na despedida ganhei do grande escritor um presente original, tirado de uma pasta na cabeceira do leito, um belo poema.

 


                                                          Gerardo Mello Mourão, grande poeta

sábado, 5 de abril de 2014

Antonio Candido

Estava ocupado com a série de matérias que tinha de fechar na próxima edição do semanário católico "O São Paulo" quando o Professor Antonio Candido entrou na redação e me entregou seu artigo, duas laudas, sem um erro de datilografia. Dei uma olhada e disse que tudo estava bem. Ao que o Mestre disse com grande modéstia: "Se você tiver de cortar algumas linhas, faça-o, e se precisar mudar alguma coisa está autorizado também a fazer". Eu disse aquele clássico "quem sou eu". Seu artigo era um primor de estilo e de sabedoria. Lembro que ele tinha o boné de listras nas mãos.
É daquele patrimônio que deve ser preservado. Pena que os pauteiros estejam mais preocupados com essas celebridades instantâneas e pouco o procuram para saber sua opinião sobre literatura, política e sociedade. Recentemente foi entrevistado pela revista distribuída nas livrarias Saraiva e disse estar apreensivo com a insegurança em que vivemos hoje.
Mas o melhor que vi do grande Mestre foi quando se instaurou um debate acerca da figura de Mario de Andrade na cidade de São Paulo. Não era o escritor modernista que mexeu com o País em 1922. O pesquisador que havia trabalhado no extinto "Jornal da Tarde" se equivocou e forneceu o retrato errado do autor de "Macunaíma". Minha colega Mônica Bergamo, colunista da "Folha" o entrevistou:
"Como o senhor tem tanta certeza de que aquele retrato exibido em público na cidade não era do Mario de Andrade?".
O Professor Antônio Candido respondeu modestamente: "Porque eu conheci Mario de Andrade".

                                                     Antonio Candido, um dos maiores intelectuais do Brasil

sábado, 29 de março de 2014

Jair Borin


A vocação de revolucionário despertou nos embates da juventude, onde militou na União Nacional dos Estudantes, a UNE. Concursado na maior universidade brasileira, a USP, assumiu o cargo e, pela competência, ficou responsável pela impressão de tudo o que era trabalho na gráfica daquela instituição. O então reitor levou um jornal do Exército para ser impresso de favor na Universidade, ao que Mestre Jair Borin recusou com um sonoro “não”. Sorrateiramente o reitor, que certamente tinha amigos influentes nas Forças Armadas, levantou a ficha do professor e constatou que ele tinha débito com a justiça militar. Era um “subversivo”. Um dia, quando estava em sala de aula o professor foi retirado por dois soldados do Exército que serviam na mesma unidade onde ele se recusou a imprimir o jornal e foi levado para o Presídio Tiradentes, onde cumpriu pena de 2 anos. Lá dentro havia presos comuns, então ele deu aula para os analfabetos, a grande maioria. Depois disso, não teve mais emprego em jornal.

Estávamos no ano de 1975 quando o conheci na Folha de S. Paulo, onde trabalhamos juntos. Ele estava ali porque teve o aval de um colega nosso muito bem relacionado com o dono do jornal, um certo Eduardo Suplicy que andava de moto, que pediu para Octavio Frias de Oliveira que empregasse o ex-preso político, repórter de Economia dos bons.

Uma vez o encontrei em um bar da Praça da República, ele estava com a esposa. Ao tomarmos cafezinho ele lembrou que tinha exatos dez anos a mais que eu. Também me levou, em seu carro, à redação do jornal alternativo “Movimento”, onde me esperava o diretor Raimundo Pereira, e a partir daí passei a colaborar com mais frequência no semanário e sempre recebi pelos trabalhos, é bom ressaltar, nunca me foi pedido trabalho voluntário e sem remuneração apesar de toda dificuldade financeira em se manter um jornal de oposição.

Cruzei com Jair Borin no Vale do Ribeira em reportagem sobre conflito armado de terras. Mais tarde, já nos anos 80 do século passado, ele me convidou para trabalhar na assessoria de comunicação da Ceagesp, subordinada à secretaria estadual da Agricultura, onde ele comandava o departamento de imprensa, agora em mãos de Franco Montoro, depois de uma ditadura de 21 anos.

Anos mais tarde, de volta à Universidade, candidatou-se a reitor da USP, perdeu embora tivesse trabalhado bem, tinha o voto do pessoal mais humilde daquela instituição, só não ganhou da elite que comanda aquela universidade há mais tempo e conhece bem os truques eleitorais.

Jair Borin merecia da USP ter seu nome em um dos prédios, é mais do que merecido por seu valor, competência e coragem.

domingo, 23 de março de 2014

Leonel Brizola

Uma reportagem com o governador Leonel Brizola rendia assunto, mas nunca o lead (início, abertura da matéria), eram horas e mais horas interessantes que pareciam segundos. No auditório muita gente. Bem na frente nós, repórteres de jornais, rádio e TV anotando, registrando tudo. No final aquilo de sempre: trocávamos figurinhas, se houvesse algum dado que estivesse faltando era só acrescentar.
Nos jornais ele era aceito, tinha muito peso, mas não era dos mais queridos personagens. Sabendo disso teríamos de ser o mais sucinto possível. Mesmo porque sua fala se arrastava por horas a fio, mesmo se ele estivesse entre um compromisso e outro, paletó nas costas, mangas arregaçadas, a  mesma firmeza de sempre.
Tudo certo, no dia seguinte saiu a nota. Meu chefe, no entanto, trouxe um dos jornais concorrentes com a foto de uma moça de peito de fora, Brizola ao fundo falando, falando. Não havia visto a moça, uma das strippers que um dia alguém disse que ela poderia se candidatar a cargo eletivo em São Paulo, como houve na Itália com uma certa Cicciolina. Levei uma bronca enorme. Liguei para os colegas que estiveram na mesma palestra, ninguém havia visto a exibicionista, a tal matéria era uma jogada de marqueteiro de fundo de quintal que privilegiou o diário carioca com um "furo".
A explicação não colou muito, mas no dia a dia da reportagem é assim, um dia a gente faz uma boa reportagem, no dia seguinte ela poderá ser apenas razoável, depende de uma série de fatores.
Quando Jânio Quadros estava no caixão contei para Brizola que o Presidente não gostava de uma brincadeira que seu neto fazia anunciando uma suposta visita de Leonel de Moura Brizola, Jânio dizia que era "brincadeira de mau gosto", ao que o gaúcho deu três tapinhas no rosto de JQ e, rindo, disse apenas o que entendi como uma homenagem: "Gracinha!".

                                                         Brizola, um dos maiores políticos do Brasil

domingo, 16 de março de 2014

Cavalos

Cavalo também é gente. Cerca de 240 cavalos se encontram de quarentena no quartel da Polícia Militar na região da Luz, centro de São Paulo, com o risco de serem sacrificados com injeções letais. Há 7 anos surgiram relatos de casos ocorridos no interior do estado e em Pernambuco de uma epidemia. Em uma análise preliminar, 36 desses animais estavam sob suspeita de terem contraído o mormo, uma doença que ataca o sistema respiratório e compromete pulmões, com risco de até passar para seres humanos.
Cavalos que andam montados por policiais militares fizeram estragos anos atrás. Foram utilizados para invadir a Pontifícia Universidade Católica, a PUC paulista, sob ordens do então secretário da Segurança Pública, coronel de Exército Erasmo Dias. Em uma entrevista na placidez de seu gabinete, perguntei a ele a respeito de queixa de moradores de que os bichinhos sujavam a cidade, ao que ele espumou de raiva e se saiu com essa: "O que o senhor prefere, que os bichos sujem as calçadas ou que os bandidos lhe metam uma arma na cara?".
Sugeri a alguns parlamentares apresentar projeto retirando dos cavalos essas funções de patrulhamento da cidade. Ninguém se sensibilizou.
Um dia trabalhei em gabinete com um coronel da Polícia Militar que explicou a função desse tipo de patrulhamento: dar ao cidadão a sensação de segurança. Ao ver da janela de um apartamento aqueles grupos de cavalos trotando nas ruas da cidade, o contribuinte tem a sensação de que está seguro, que nada de mal acontecerá à sua vida.
Ah, bom!

domingo, 2 de março de 2014

Bernardo Cabral



Acompanhei a Constituinte como repórter da Veja e depois do Estadão. Uma das lições que um repórter de Política aprende é cultivar suas fontes. Foi o que fiz com o relator dos trabalhos, o deputado federal Bernardo Cabral. Ele me convidava para almoçarmos no restaurante da Câmara, onde nos reuníamos com o querido amigo, o saudoso Flamarion Mossri, cunhado do José Dirceu, da sucursal de Brasília, experiente na arte de entrevistar políticos da velha guarda. Flamarion e Cabral se conheciam desde os anos 1960, vejam só, e conservavam no mesmo grupo velhas amizades,  deputados paulistas Mario Covas, Franco Montoro e Ulysses Guimarães.
Vez ou outra dava uma passada no gabinete de Bernardo Cabral para saber das novidades. Uma das vezes ouvi ele dizer para a mulher que estava "com aquele repórter de São Paulo, lembra?, o Rivaldo, e vamos sair para jantar". Não jantamos nem havíamos combinado nada. Mas, tudo bem.
Certo dia, Bernardo Cabral foi ao programa "Roda Viva" e o diretor do Estadão, Oliveiros S. Ferreira, fez uma pergunta que deixaria o entrevistado constrangido: queria saber por que o então presidente José Sarney havia conquistado 5 anos de mandato sem que o Congresso soubesse. Resposta no ar: "Não é verdade que não sabíamos, é só ler o Estadão que o Senhor dirige e ver que saiu matéria do Rivaldo onde eu afirmei que Sarney governaria por 5 anos".
No dia seguinte ao cruzarmos nos corredores do Estadão, Oliveiros me deu um abraço, o primeiro que ganhei de uma alta patente no jornalismo. Grande Oli!
Hoje Bernardo Cabral assessora a Federação do Comércio do Rio de Janeiro.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Lourenço Diaféria

Naquele dia a redação da Folha de S. Paulo estava agitadíssima. Ano de 1977. Nosso colega Lourenço Diaféria estava preso. Adilson Laranjeira, meu chefe, que me entregava a pauta de todos os dias me encarregou de outra tarefa: teria de ir à casa do nosso companheiro e ficar por lá para dar algum tipo de proteção (quem sou eu!) para esposa e filhos. Peguei o fusquinha amarelo e pedi ao motorista para ir para os lados do Sumaré, travessa da Heitor Penteado. Toquei a campainha do sobrado branco, a esposa de Diaféria me atendeu no portão e agradeceu tudo o que o jornal estava fazendo pelo marido, mas dispensou meus serviços de segurança. Expliquei que minha presença ali era simbólica, o máximo que eu poderia fazer diante de algum atentado à integridade da família seria ligar para a redação e avisar. Voltei à redação onde peguei uma pauta do dia a dia.
Diaféria foi preso por causa de uma crônica dedicada a um herói fardado. Era tempo da ditadura militar. O sargento do Exército viu uma criança ser atacada por ariranha, se jogou no poço e a salvou. Só que o militar foi devorado e morto pelo bicho. Virou herói, aos olhos do cronista, que o comparou à estátua de Duque de Caxias, bem próximo da redação, sempre suja pelos pombos. Diaféria foi preso, a Folha que havia publicado em branco o espaço reservado à crônica se viu em maus lençóis, Cláudio Abramo caiu, foi substituído por Boris Casoy. O cronista foi absolvido 3 anos mais tarde.
Lourenço Diaféria escreveu um dos grandes livros de nossa literatura: "Berra Coração". Mas escreveu também crônicas excelentes, de qualidade exigida por Rubem Braga.
Eu o encontrei inúmeras vezes em lançamentos de escritores amigos nossos. Como também sonhamos com projetos culturais que deram em nada. Mas a vida é assim mesmo.


                                                        Diaféria, um dos maiores escritores brasileiros

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Esmeraldo Tarquinio

Era seguramente o nosso Martin Luther King. Foi na mesma época que aconteceu. Esmeraldo Tarquínio foi eleito prefeito em voto direto na cidade de Santos. Ano de 1968. Só que estávamos numa ditadura militar e os milicos, claro, não queriam ver à frente da cidade praiana um negro. Um negro combativo. Um negro digno. Antes de ser eleito prefeito ele tinha sido deputado estadual. Ocupava bem os microfones, a TV, os jornais, falava que lutaria até o fim de seus dias para mostrar a todo brasileiro como tinha sido injusto o ato dos militares ao impedirem sua posse. Não havia acusação nenhuma para que ele não assumisse. Não houve, aliás, qualquer tipo de acusação.
Convivi de 1970 a 74 diariamente com Esmeraldo, como alunos que fomos da Faculdade de Comunicação de Santos. Um homem admirável, capaz de levantar grandes questões para discussão em aula.
Mas houve um episódio que mostra muito bem quem era de fato este homem. Meu tio José, motorista de praça, foi assaltado por uma quadrilha e obrigado a dirigir pelo porto de Santos, silencioso, em uma daquelas afrontas à dignidade humana. A quadrilha fez uns roubos e sobrou para o taxista que conduziu os bandidos sob arma de fogo. Preso, meus tios procuraram o advogado Esmeraldo Tarquínio. Sua defesa foi brilhante. Tio José foi absolvido por unanimidade. Meus tios foram pagar o serviço, Esmeraldo disse que não era nada, ele não cobrava quando se tratava de pobres. Um de meus tios vendia flores na feira-livre e passou a entregar flores para a esposa de Esmeraldo todas as semanas.
Tentei falar com ele a respeito, Esmeraldo nunca quis saber de gratidão, achava isso desnecessário.
Era um homem de paz, honrado, sincero, honesto, idealista. Um grande homem.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Fernando Collor e Olavo Setúbal

O então governador das Alagoas tinha contato bem próximo com o editor de Política do Estadão. Nunca escondeu de ninguém que queria ser Presidente da República. Todas as semanas eu recebia um telefonema do capitão Dario, seu chefe da casa civil, que dizia mais ou menos como uma senha, "olha, o chefe vai aí para São Paulo, pode nos encontrar em 5 horas em tal lugar". Pedia para não publicar o resultado de certos encontros.
Desta vez a reunião foi na casa do presidente da Federação do Comércio, Abram Szjman, que recebia a todos com sua mulher Cecília e os filhos. A casa mais parecia um museu, tal o número de originais de quadros na parede: Tarsila, Di Cavalcante, Portinari e por aí vai.
Eis que surge na porta o dono do banco Itaú, Olavo Setúbal. É cumprimentado pelos anfitriões e Collor se abaixa para falar em meus ouvidos:
- Esse aí tem alguma importância?
Digo para ele que o fato de ser dono do Itaú já é de grande, de suma importância. Mas ele não se conforma e cola de novo em meus ouvidos:
- Isso eu sei...
Aí foi a minha vez:
- Governador (eu o tratava assim), o doutor Setúbal articulou com Tancredo a transição para o fim da ditadura militar, foi ministro das relações exteriores e tentou articular o Mercosul.
Ele me interrompeu. Doutor Olavo já estava próximo.
Collor abriu os braços e disse de alto e bom som:
- Ministro....
Cai o pano.
                                                        Fernando Collor e Olavo Setúbal

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Getúlio Vargas

Tinha de, em todas as manhãs, comparecer ao gabinete de deputado que presidia comissão que investigava o sistema financeiro nacional, por coincidência era vizinho do deputado gaúcho Alceu Collares, que tinha como chefe de gabinete uma figura ímpar: um sujeito de bigode retorcido que ia de uma ponta à outra da cara, como o Senhor Morsa de desenho animado. Elegante, macio no falar, ele me convidou para esperar no gabinete que chefiava já que algumas vezes me via postado no gabinete vizinho, fechado ainda àquela hora.
Disse ao Senhor Morsa que não conhecia ainda o deputado Collares, que havia sido governador do Rio Grande do Sul, responsável pelo descobrimento dos talentos de uma de suas auxiliares, uma certa senhora Dilma Rousseff. Mas, nos idos dos anos 70 do século passado, o então deputado Collares havia feito pronunciamentos naquela Câmara elogiando reportagens minhas feitas na "Folha de S. Paulo". Uma honra inigualável.
Mas o impressionante veio em seguida: Senhor Morsa disse que eu era a reencarnação da figura do grande líder brasileiro Getúlio Vargas. Fiquei curioso. Ele contou que havia notado minha presença no gabinete ao lado do seu, e que eu tinha, a seu ver, o mesmo jeito de andar do estadista que se suicidou ainda no exercício do poder. Achava ainda que eu tinha o mesmo olhar do presidente que governou o País diversas vezes acabando com a República Velha e dando os direitos aos trabalhadores brasileiros.

Agora que tem sido publicadas biografias do grande estadista, creio que está mais do que na hora de mergulhar nestas leituras e conhecer melhor ainda esta figura ímpar que, juro, nunca pensei em encarnar. Mesmo porque não acredito nessas coisas de vida pós mortem. A vida está aqui e agora.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Marcos Faerman

A entrevista com o tenente do Exército japonês Hiroo Onoda, que se escondeu numa ilha das Filipinas por 29 anos, depois do término da II Guerra Mundial deu tanto trabalho ao repórter Marcos Faerman, do Jornal da Tarde, nos idos dos anos 70 do século passado porque o intérprete que o jornal havia contratado captava as ideias do japonês e transmitia em inglês, não sabia nadinha do português. Foi uma confusão total. Poucos souberam disso. Ao mesmo tempo em que trabalhava no jornal da família Mesquita ele se entregou a um projeto do qual participei desde o começo, a do jornal "Versus". Seu sonho era integrar a América Latina, fazer de tudo uma espécie de Mercosul em que englobasse não só aspectos econômicos mas também culturais.
 O jornal "Versus" fez história. Foi e é sempre objeto de interesse de estudantes de todo o País. Mas quero lembrar um aspecto bem humano deste grande repórter e editor. Ele me chamou para acompanhar um cartunista que tinha de comparecer a uma delegacia para pôr ponto final a um velho problema. Quando menor de idade o artista havia depredado um telefone no bairro da Casa Verde. Foi apanhado em flagrante, levou cassetadas mil da Polícia, respondeu a inquérito e tremia feito vara ao se ver diante do delegado. Isso antes de ficar por nem-sei-quantas horas num verdadeiro chá de cadeira.
No dia seguinte, Marcos Faerman quis saber o que havia acontecido ao cartunista que vi recentemente em entrevista à "Trip", onde falava que estava cada dia mais dependente de drogas. Ele era assim: se importava com a vida pessoal das pessoas, não ficava alheio a esses problemas eventuais e prosaicos.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Fernando Gasparian

Ao ser apresentado ao empresário e criador do jornal "Opinião", gestado quando ainda estava em Londres, Fernando Gasparian perguntou o que eu achava do seu jornal. Peguei um exemplar e fui fazendo críticas. Tinha uma reportagem que o editor de Cultura adiava indefinidamente, apesar dela estar liberada pela maldita Censura. O título dado foi "A noite dos violeiros" e saiu, só que no último número.
Anos mais tarde eu havia escrito um livro "Sentença", sobre a prisão injusta do último governo do ciclo militar, de João Figueiredo, envolvendo dois padres franceses e 13 posseiros da região do Araguaia. Um editor da moda havia demonstrado interesse, mas na hora abandonou a ideia. Gasparian editou o livro que teve 2 edições. Apresentei os personagens do livro para ele, que conversou com os dois em francês impecável.
Depois fui trabalhar no jornal do PMDB em que ele era tesoureiro e responsável pelo "São Paulo Hoje". O tempo todo ele fazia questão de se preocupar em fazer um jornal nos moldes dos europeus, com reflexão, que mostrava tendência da nossa combalida Economia. Fugia do esquema jornalzinho de partido.
Nosso último encontro foi com o jornalista Raimundo Pereira, que fazia homenagem pela passagem dos 40 anos do jornal "Movimento", que resultou da saída dele do "Opinião" por divergência com o próprio Gasparian. Nada de mágoa, só boas lembranças.
O filho Marcus vendeu a editora Paz e Terra para o grupo Record depois de ouvir elogios ao trabalho diferenciado feito pelo saudoso e sempre querido pai.
Fernando Gasparian foi sempre um nacionalista, um homem preocupado com o social, com o País que deveria viver com inflação nunca acima dos 12% ao ano, que ele escreveu quando exerceu seu único mandato como deputado constituinte.
 Gasparian, um nacionalista

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Silvio Santos

Ao contrário de muitos colegas puxa-sacos de patrões - há aqueles famosos que dizem com orgulho terem visto os flamingos maravilhosos pescando na mansão do Roberto Marinho - nunca fui chegado aos bigshots da mídia. Mesmo assim, um dia fui convidado a entrar na casa do Silvio Santos. Vou contar o caso como o caso foi. Silvio Santos havia voltado de uma de suas turnês pela Europa e mandou espalhar por aqui que seria candidato a Presidente da República. O Estadão, onde trabalhava como repórter, me escalou para entrevista-lo no aeroporto de Guarulhos. Montamos uma espécie de coletiva, um dos cinegrafistas gentilmente me emprestou o retorno dele que estava sem repórter e não tive muitos problemas, deu para anotar tudo. Fomos à casa do Silvio Santos no Morumbi. Ele deu nova entrevista confirmando sua candidatura ao posto maior do País. No final, todo mundo foi embora e ele me provocou: "Por que você não fez muitas perguntas hoje?". Eu respondi dizendo que era nosso primeiro encontro, que só o conhecia da telinha. O biógrafo e seu assessor direto Arlindo Silva, meu amigo, disse nos ouvidos do patrão que eu cobria a área política e encheu de elogios ao meu trabalho. SS me convidou então a entrar em sua casa, onde me recebeu com água e cafezinho. No dia seguinte ganhou uma página, só que sua candidatura fez água.