terça-feira, 27 de maio de 2014

O interrogatório


Não foi uma vez, foram várias intimações a que respondi perante a Polícia Federal, onde era convocado por ser o responsável pela sucursal paulista do jornal “Repórter”, editado no Rio de Janeiro. Um advogado de presos políticos ficava de acompanhar cada depoimento, só que ele nunca compareceu. O jornal não lhe pagava e ele achava que não tinha a obrigação de defender ninguém. Tive de me virar sozinho. Isso nos idos dos anos 80 da década passada.

Certa vez ouvi o delegado falar ao telefone para Brasília, de onde vinham as ordens: “O pessoalzinho do jornal Repórter já está aqui na antessala para serem interrogados, daqui a pouco começo a ouvir seus depoimentos, mas pode ficar tranquilo porque se trata de uma gente educada”. Aquele era o bando de uma só pessoa, no caso, eu.

As perguntas eram as mesmas: por que determinada pauta, como é que as reportagens foram editadas, por quem, queriam saber se havia alguma intenção por trás das manchetes, essas coisas.

Depois de lido os depoimentos, devidamente anotados na máquina de escrever pelo policial, tinha de assinar o documento em nem-sei-mais por quantas vias. Daí também aparecia em cena novamente o delegado, que me convidava para tomar cafezinho no bar em frente à sede da Polícia Federal. Descíamos conversando sobre assuntos dos mais diversos, até opinava sobre política, já que ele estava cansado de saber que eu era contra a ditadura militar.

Certo dia, vi dezenas de caixas lacradas em uma sala e perguntei o que os policiais haviam apreendido. Era um lote dos chamados “catecismos”, revistinhas pornográficas assinadas por um certo Drago, desenhista que fazia os originais, copiava em máquina Xerox que ele alugava da multinacional porque na época não vendiam e distribuía ele mesmo nas bancas de jornais. A PF acabou com o negócio. O assunto valia uma bela pauta. Peguei os dados do desenhista com o escrivão e fui à sua casa, onde o entrevistei. Valeu uma bela reportagem.
 
                                          Uma das inúmeras intimações para "prestar esclarecimentos"

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Herbert Levy

Processado pelo ministro da Justiça do Presidente José Sarney, arrolei como testemunha o empresário Herbert Levy, criador e presidente do jornal "Gazeta Mercantil". Tinha feito reportagem no "Estadão" a respeito do sumiço de 15 mil sacas de café nos idos dos anos 60 da década passada, informação obtida por senador de respeito (chegou a presidência da República, onde exerceu dois mandatos) e não tinha como falar com o próprio acusado, já que ele inicialmente havia se recusado a responder, mas depois o fez através de processo na Justiça.
Sede da Justiça Federal de São Paulo. Juiz, promotor, advogados e até uma autoridade judiciária enviada pela Presidência da República para acompanhar o caso. A certa altura o juiz perguntou:
"O senhor confirma o sumiço no porto de Santos de 15 mil sacas de café?". Disse sim. A seguir, a autoridade se dirigiu ao ex-deputado da antiga UDN que havia presidido comissão que investigou o caso e Herbert Levy respondeu na lata: "Quanto mesmo? Quinze mil sacas? Mas este repórter aqui (dirigindo-se a mim) foi generoso, foram infinitamente mais, devo assegurar a Vossa Excelência que o jornalista foi modesto, essa cifra é pequena diante do roubo deste cidadão, hoje ministro da Justiça".
Risos da autoridade que tinha vindo de Brasília especialmente para acompanhar o caso.
Fui absolvido do processo, o ministro recorreu à sentença mas perdeu novamente e o caso foi devidamente arquivado.


                                                               O empresário Herbert Levy

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Carlos Drummond de Andrade


 

Liguei para o Carlos Drummond de Andrade, ele mesmo atendeu, tinha voz de menino. Anos 80 da década passada. Disse que estava falando da redação da revista “Veja” e que a reportagem era sobre o jogo do bicho. Mais que depressa o Poeta respondeu: “Eu não sei nada de jogo do bicho”. Tentei convencê-lo a falar, afinal o jogo foi inventado por um certo Barão de Drummond, que administrava o zoológico do Rio de Janeiro e, certo dia, ao ver os bichos em situação de penúria inventou uma forma de arrecadar rapidamente. Como tudo aqui no Brasil começa bem e nunca se sabe como termina, salvos os animais, o jogo correu solto, mesmo na clandestinidade em que foi atirado e em que está até hoje.

Mas o Poeta não queria saber do jogo do bicho. Perguntei se o Barão de Drummond era seu parente, quem sabe um avô ou outro familiar distante, ele disse que não. Insisti e ele revelou nunca ter feito jogo de bicho, não sabia como fazer uma aposta. Mais uma vez pediu: “Me deixa fora desta reportagem, não tenho nada com o jogo do bicho”. E riu. Pensei: é mesmo, o que o grande poeta, cronista, reconhecido mundialmente tem a ver com o malfadado jogo do bicho? Me despedi e ele foi gentil, disse que estava à disposição para falar de Literatura e que sempre que eu quisesse poderia ligar. A modéstia em pessoa. Só que Literatura era assunto de outro colega, da baia ao lado, Mario Sergio Conti, que havia me passado o telefone da casa de Drummond. Cora Coralina e Adélia Prado foram descobertas de Drummond, que as tirou do anonimato.

A matéria saiu na revista sem a palavra do Poeta, meu editor (de Brasil) não gostou do insucesso da fala que iria ilustrar a reportagem sobre mais uma tentativa de regulamentação oficial do jogo do bicho em Brasília, mas a voz e a gentileza do mais ilustre itabirano do mundo haviam me encantado. Diria como ele, hoje tudo isso é um retrato na parede, mas como dói.