domingo, 27 de outubro de 2013

Passarinho




O tio da minha infância gostava de pegar passarinho. Armado com sua gaiola, presa na garupa da bicicleta, ele ia para o trabalho todas as manhãs pensando no bichinho que ia pegar com alçapão, às vezes com um visgo que imobilizava os pezinhos das belezinhas que, com seu canto, muitas vezes acorda os seres humanos, cada vez mais complicados, tanto que reclamam deles. Imagina implicar com o canto dos pássaros. Tinha uma coleção desses seres alados, todos engaiolados e pendurados por um prego na imensa parede de madeira no sítio do meu avô. O tempo passou.

Hoje meu tio abandonou seu maior vício – não creio que tivesse outros problemas em sua vida simples -, acho que bastava este. Vive no meio de passarinhos livres e soltos, que vem visitá-lo à beira da Represa Billings, no ABC não de Castro Alves como queria Jorge Amado, mas das lutas metalúrgicas que entraram para a História, liderados, nos anos 70 do século XX, por um ferramenteiro que ocupou a presidência da República por dois mandatos.

Manoel de Barros, grande poeta, em visitas pantaneiras em tempos idos, disse para o amigo Guimarães Rosa: “O canto desse pássaro diminui a manhã”. Rosa tinha uma sede anormal por frases com ave: “Me olhou sentado na frase”, escreveu Barros.

É preciso dizer mais alguma coisa?
 

domingo, 20 de outubro de 2013

Escrever telenovelas

Fazia secretaria de jornal, o que obrigava ir pelo menos uma vez por semana na gráfica acompanhar a rodagem naqueles chumbos, conferir as provas, verificar a ordem das matérias já em papel, ver se tudo estava certo. Um dos secretários gráficos estava sempre à procura de notícias, recortava e guardava em uma pasta. Contou que seu sogro era escritor de telenovelas, e que se interessava bastante por notícias que lhe inspirariam a escrever cenas fortes a partir da realidade. Um dia, ele falou com o brilhante autor de telenovelas a respeito de um repórter que estava à procura de novos horizontes, queria expandir seus conhecimentos de outras artes além de escrever unicamente em jornais. Queria ser o que hoje se chama multimídia, que é a qualificação de todo jornalista ou comunicador.
Marcou a princípio um almoço na casa do figurão, pelos lados do Morumbi. No dia acertado disse que o famoso autor de telenovelas havia sido convocado às pressas pela Globo, para onde estava de malas prontas, pois tinha feito sucesso retumbante na antiga TV Manchete. Bom. Marcamos e remarcamos várias vezes. Nada. Até que um dia o próprio rapaz, humilde, simples, confidenciou que as duas filhas do figurão é que tinham barrado nosso encontro como, aliás, faziam com todos aqueles que procuravam se aproximar do querido e rendoso pai (elas eram suas assistentes).
Uma noite em festa memorável em casa de atriz teatral conheci um dos maiores atores de teatro, TV e cinema brasileiro, Raul Cortez, com quem troquei algumas ideias e lhe contei o caso do quase-fui-escritor-de-telenovelas. Ele riu, disse que havia passado por situações semelhantes e que a pessoa em questão era conhecidíssima nos meios como alguém de fato egoísta, fechado em duas assistentes nomeadas por ele, justamente suas filhas.
Já tinha esquecido o episódio, mas as lembranças da conversa com Raul Cortez, extremamente agradáveis, é que ficaram na memória, afinal as coisas grandes é que nos motivam a enfrentar o nosso dia a dia.



Raul Cortez, um dos maiores atores de nossos palcos em todos os tempos

sábado, 12 de outubro de 2013

Tim Lopes

Trabalhamos juntos por alguns anos. Nunca o vi aborrecido ou magoado. Sempre alegre, tinha aprendido as manhas todas na redação de Samuel Wainer, por onde entrou como contínuo. Foi o clássico diretor quem lhe deu o apelido de Tim Lopes. Seu nome de batismo era Arcanjo. Mas na redação carioca do jornal "Repórter" nós o chamávamos de Tim Lopes. Nunca faltou ideias nem pautas para ele, para os colegas, para todo mundo.
Sua grande preocupação era com os gatos pingados. Os chamados excluídos. Uma vez ele marcou um debate com toda a fauna do Mangue, o local cantado por Manuel Bandeira, já em seus dias finais. O centro do debate era sexo, evidentemente. Estávamos na ditadura e o que mexia conosco não era a visão marxista das coisas, mas fazer exatamente como queria fazer o lendário Samuel Wainer, falar de assuntos populares com conotação política.
Nesse dia no Mangue bateu uma fome danada e no boteco só tinha uns pães amanhecidos e mortadela safada. Tim pediu, mas nossos colegas de redação o impediram de beliscar o para ele apetitoso sanduíche, poderia fazer mal, não queríamos que ele sofresse justamente em uma parte sensível do corpo que é o estômago.
Tantas histórias deste meu companheiro com quem dividi a autoria do primeiro livro, "Terror Policial", Global, 1980. Agora seu filho Bruno Quintella, que vi na barriga da mãe, acaba de ganhar o prêmio pelo filme "Histórias de Arcanjo - um documento sobre Tim Lopes", da Globo Filmes.
Concorreu com tantos outros filmes no Festival Rio 2013. Parabéns.
Tim Lopes viverá sempre!

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A Saga

O escritor João Antônio, autor do já clássico "Malagueta, Perus e Bacanaço", com quem tomei alguns pileques, sempre deu opiniões e sugestões maravilhosas, uma delas que eu escrevesse a história dos imigrantes japoneses no Brasil. Integrante da revista "Realidade", hoje estudada em várias universidades como exemplo de bom jornalismo praticado por aqui, teve participação intensa em sua redação, como também havia editado, no Rio, a "Revista de Cabeceira do Homem" pela Civilização Brasileira.
Não me animou a pauta, achei que não havia disposição para investir em algo distante do tempo e apenas próximo do coração. Muitos anos mais tarde fiquei surpreso ao ler o que o meu amigo Fernando Morais escreveu em seu "Corações Sujos", a respeito de um bando de fanáticos que nunca aceitou a derrota do Japão na II Guerra Mundial. Magnífico, simplesmente o melhor livro do grande biógrafo de tantas personalidades influentes (ele prepara as biografias de Lula, Antônio Carlos Magalhães e José Dirceu).
Perdi a pauta do João Antônio que me foi apresentado pelo Professor Wladyr Nader da PUC na redação da Folha de S. Paulo onde trabalhávamos. Muitas foram as ideias que ouvi pelas calçadas da avenida Paulista em conversa com o grande escritor. José Castello também conta que trocou mil confidências com João pelas ruas do Rio, que ele tanto amou.

O escritor João Antônio, autor de alguns livros indispensáveis para o Brasil de hoje