domingo, 3 de dezembro de 2017

Angeli

Angeli foi uma das primeiras e maiores amizades que fiz na redação da Folha de S. Paulo em 1975. O diretor era Cláudio Abramo, a quem ele submetia seus desenhos para aprovação e publicação. Mais tarde li em alguma revista que Angeli chegou a Abramo por recomendação da cartunista Hilde Weber, mãe dos filhos do primeiro casamento com Cláudio. Anos mais tarde me tornei amigo da grande caricaturista, de quem ganhei alguns originais, na redação do Estadão. Em viagem de avião de Brasília para São Paulo conheci um dos filhos de Claudio e Hilde, presidente da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, a quem contei da admiração e amizade que privei com seus pais.
Nossas vidas se cruzaram algumas vezes. Nas escadarias do Shopping Higienópolis Angeli me perguntou se eu continuava trabalhando prestando serviços a políticos. Eu disse que sim. É que não vejo os políticos com a mesma lente dele. Acho que nem todos os políticos são corruptos. Tem gente boa, como em todos os ofícios.
A visão de Angeli é traduzida em seus trabalhos que são magistrais. Acho que ele é bom, não só entre brasileiros, mas em todo o  planeta. Millôr Fernandes lhe entregou 3 livros para ele ilustrar. Não é uma tarefa fácil. Mas ele cumpriu sua obrigação com dignidade e talento.
Tenho visto Angeli na revista Trip, onde disse de seu desligamento da dependência com as drogas. E no canal HBO, onde ele mostrou sua atual esposa e sócia em negócios, apareceu nosso amigo Toninho Mendes, saudoso e querido, fundador do Versus, onde eu e Angeli demos nossa contribuição em tempos idos. Disse que tem visto trabalhos de dezenas, centenas de iniciantes, que não apresentam nada de novo. Ou pelo menos nada de novo sob o sol a partir do que ele, Laerte e o finado Glauco produziram.
Paciência. Um dia aparecerão novos mestres na difícil arte do cartum, da charge e da ilustração.


quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Madame Satã, Templo da Cultura Paulistana

Wilson José, seminarista, ator amador, pegou um de seus inúmeros irmãos, William, mais duas amigas e dedicou todo seu esforço na construção do que inicialmente era para ser um restaurante. O quarteto achou uma antiga construção na Bela Vista, o popular Bixiga, no centro de São Paulo, datada de 1936 e acabou tornando o Madame Satã em um templo da cultura alternativa paulistana. Era o ano de 1983, fim da ditadura militar, a descoberta da Aids, o começo da era da informática e a queda do Muro de Berlim. Diziam que a situação era punk, mas na noite nada melhor do que um rock. O neon vermelho na janela dava a estranha sensação de que o próprio personagem a quem Wilson teve ideia de homenagear estivesse por ali, em pessoa. Tinha gárgulas e labaredas na fachada.
Acontecia de tudo naquele espaço. Em meio a balada tinha gente pintando quadro, fazendo performance, projetando filme e o que mais desse na telha. A pista no subsolo fez história porque a iluminação parca não conseguia trazer nem dava para ver um ambiente novo no meio daquilo tudo que estava acontecendo, em um todo esfumaçado (o cigarro ainda não era visto como vilão que é hoje) e diziam que todo mundo podia soltar suas cobras e demais feras. Quer dizer, Wilson José introduziu assim o conceito de casa noturna com pista de dança e pequeno palco para apresentação sempre voltada para performance de artistas plásticos, atores e dançarinos.
Músicos diziam que o Madame Satã era sua segunda casa. Havia festas monumentais de chegadas e de partidas. Tudo em um ambiente libertário. Havia muito o que fazer, o que dizer, o que conhecer, o que experimentar. Um mundo novo para se descobrir.
Não dá para falar no rock dos anos 80 do século passado sem mencionar a Casa onde se apresentaram os ainda novatos RPM, Titãs, Ira, Cássia Eller, Cazuza e tantos outros ícones daquela época. O mundo dava  a impressão de que,como o tempo,seria eterno, foi o que ouvi do meu amigo Wilson José bem pertinho dali, enquanto trocávamos algumas ideias andando pela Avenida Paulista.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Luiz Fernando Furquim

Luiz Fernando Sigaud Furquim, publicitário, comandava a diretoria de publicidade e marketing da maior rede de supermercados do País, o Pão de Açúcar, onde sua subordinada me levaria para conhece-lo já que eu estava sendo contratado para trabalhar na assessoria de comunicação, algo que só foi possível depois de uma espera de 8 horas, ao final do qual ele disse apenas uma única frase: "Seja bem vindo ao grupo". Muitos anos antes disso tinha sido ele o responsável pela aprovação de uma revista que circulou nas lojas, distribuída gratuitamente e que virou cult, no qual trabalharam Amâncio Chiodi, Palmério Dória, Milton Severiano, Hamilton Almeida Filho e tantos outros, a Bondinho, que acabou saindo para disputar as bancas de jornais nos anos 1970. Furquim foi sempre um disseminador de ideias e de projetos bem acabados e de grande sucesso como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), que ele ajudou a idealizar, a dar forma e a se tornar o que são até hoje, referências no meio em que ele viveu. Também foi vice-presidente do grupo Abril, trabalhava na sala ao lado do saudoso Roberto Civita.
Sua casa estava sempre cheia de personalidades que pareciam ter saído das revistas e dos jornais. Católico fervoroso, era sobrinho de um bispo mineiro, dom Sigaud, mas seguia a linha progressista. Encontrei em uma de suas festas o cônego Dario Bevilacqua, auxiliar e amigo do peito do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, com quem ele havia dividido o telhado das casas onde o dono do Pão de Açúcar Abílio Diniz havia sido sequestrado.
Observador atento da política foi o responsável pela arrecadação de fundos nas campanhas presidenciais de Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Tarefas que ele executou dentro da ética e da legalidade sempre.
Uma de suas ótimas, mas ao mesmo tristes observações, sempre muito sábias, foi quando me segredou: "Estou sentindo que nós estamos fora do mercado, não nos querem mais porque passamos dos cinquenta anos". A idade como impeditivo para alguém executar sua tarefa. Cruel mas, querem saber? verdadeira.

 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Agnaldo Timóteo

Peguei a pauta do dia na editoria política do Estadão, onde trabalhava nos idos dos anos 80 do século passado. A missão: entrevistar o cantor Agnaldo Timóteo, que pedia votos para o candidato à presidência da República, Paulo Maluf. Marcou um café da manhã em hotel no centro de São Paulo, onde estava hospedado. Apresentou a um dos seus inúmeros irmãos, que nos levaria no carro conversível. Na campanha anterior, para o governo do Rio de Janeiro, ele tinha apoiado o então candidato eleito Leonel Brizola.
Era o tempo das fitas cassetes. Timóteo colocava as fitas em um aparelho e fingia cantar. Às vezes dava os primeiros acordes e a música ficava rodando. Fomos para a zona leste da cidade. Muitas fãs o cercavam. Ouvi de uma delas: "É feio, mas canta bem este danado". O cartunista Ziraldo tem a mesma idade de Timóteo e o conhece de Caratinga, Minas Gerais. Disse que ele sempre quis cantar. Tinha a pretensão de cantar músicas clássicas como um barítono. Saiu de sua cidade pequenina no interior mineiro para ganhar o mundo, o começo no Rio de Janeiro, onde foi motorista da cantora Ângela Maria. Perguntei para ele se isso era verdade, ele mostrou-se aborrecido: "Claro que é verdade".
Enquanto fingia que cantava para suas fãs na zona leste vi descer do ônibus o meu amigo Maurício Pestana, cartunista ligado aos negros, mais tarde secretário municipal da desigualdade racial. Ao me ver ele veio conversar, saber o que estava acontecendo.
A reportagem não saiu, foi engavetada pelo subeditor de Política. Um colega que trabalhava na concorrente Folha de S. Paulo, um certo Fernando Gabeira, fez a matéria e Agnaldo Timóteo o elogiou pelo microfone, o mesmo canal por onde cantava para alegria de suas inúmeras fãs.