sábado, 23 de novembro de 2013

Índio

Estava no plenário da Câmara dos Deputados, faltava pouco para iniciar a sessão, uma das inúmeras sessões preparatórias para a Constituinte, que resultou na proclamação da atual Constituição, em 1988. Sentado em uma das cadeiras estava o ex-deputado Mário Juruna, um índio xavante eleito em 82 na legenda presidida por Leonel Brizola, que o levou a tiracolo nos comícios no Rio de Janeiro, por onde o líder indígena se elegeu. Foi o primeiro e único índio a ocupar uma cadeira de representante do povo na Câmara Federal até hoje. Não tinha mais mandato mas, mesmo assim, deveria ter algum emprego em Brasília. Circulava com certa desenvoltura no plenário. Os seguranças o cumprimentavam como se ele ainda estivesse exercendo suas funções como representante do povo carioca. Juruna ficou famoso por andar com gravador a tiracolo. Gravava tudo o que lhe prometiam e depois mostrava para a imprensa. Deu entrevista falando que "deputado só defende interesse de banqueiro, deputado só defende interesse de empresário. Deputado só defende interesse de capitalista. É por isso que o Brasil tá desse jeito". Não tive a menor ideia de entrevista-lo. Fui furado por um colega do Jornal do Brasil. Naqueles agitados tempos não havia tempo para arrependimento.

domingo, 17 de novembro de 2013

Ilha Grande

O governo militar estava dando sinais de enfraquecimento, Leonel Brizola havia ganho o governo do Rio, alguns jovens organizaram um Festival de Música na Ilha Grande, que funcionava em pleno vapor. Um pessoal arrumou um lugar, nome de preso a quem eu deveria formalmente visitar, dormi na casa de colega jornalista cujo irmão havia passado pelo famoso presídio onde ensinou tática de guerrilha para um grupo de presos comuns, se juntaram e acabou dando no núcleo que passou a dominar os subterrâneos daquele inferno. Na travessia de Angra dos Reis para lá ouvi a história de uma gaúcha que iria visitar seu marido, a quem conhecera por fotografia publicada em fotonovela (que vendia em bancas). Achou o guri bonito e traduziu nos traços dele algo que implorava pelo seu amor. Fez uma visita e depois não o deixou mais. A recepção foi feita por um certo William da Silva, líder do Comando Vermelho, que ofereceu sua cama para eu dormir. Levantou o colchão e me mostrou dezenas de armas como facão, peixeira, espada e uma série de objetos cortantes. À noite ele visitava as celas e conversava com todos os demais presos. No dia seguinte mataram um boi e fizeram churrasco. Nem precisei sair da cela, eles providenciaram o banquete. Um padre da pastoral carcerária surgiu. Dois dias só ouvindo relatos de presos foi o bastante para compor uma reportagem, que não foi feita. O Jornal do Brasil deu nota a respeito do festival. Alguém havia passado os dados de dentro do presídio.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Fortuna

Em um belo dia, meu filho me disse que o vizinho que estava se mudando era um amigo. Estava sentado na poltrona indiferente à bagunça da mudança. Eu o reconheci no corredor. Já havia me encontrado muitos e muitos anos atrás com ele na Folha, onde era o responsável pelo Folhetim. Ele e Tarso de Castro, criadores do Pasquim. Já tínhamos conversado também em Piracicaba, onde ele foi um dos idealizadores do famoso Salão de Humor e também no Rio, ainda nos anos 60. Falávamos todos os dias. Os assuntos eram os mais variados. De manhã bem cedo ele batucava sua máquina de escrever. Dirigia algumas publicações, tinha de escrever 70 toques rigorosamente para que tudo desse certo. Algumas vezes saía com o filho André, que puxava um carrinho de madeira. Brincava com os dois: "Vocês vão pegar umas meninas pelos bares da vida, não é mesmo?". Uma vez ele disse estar na dúvida. Millôr havia lhe dito que o Barão de Itararé era apenas e tão somente um frasista. Ele discordava. Toda vez que ia entregar algum desenho queria que eu avaliasse. O mesmo com o texto, primoroso, de uma elegância ímpar. Assim era o grande maranhense, premiado em exposições de muitos países. Grande artista.

domingo, 3 de novembro de 2013

Cláudio Abramo

Foi meu diretor de redação na Folha de S. Paulo, onde comecei a trabalhar em 1975. Vez ou outra cruzávamos na redação, ele conversava, fazia comentários às vezes ácidos sobre determinado assunto ou certas pessoas de quem não gostava. Brandia sua bengala e apontava para os adversários. Assim era Cláudio Abramo, um mito do jornalismo.
Num sábado de plantão fui encarregado de cobrir a visita de dois irmãos donos de revista. Na entrada da sala do dono do jornal, seu Frias, ele aguardava as figuras importantes. Perguntou se eu estava com a carteira no bolso. Disse que sim. "Esconda, esses dois podem roubar". Achei graça e ele sério. "Pode voltar para a redação, deixa que eu escrevo a respeito da visita, faço a nota. Mas não vá direto para o quarto andar, vá ao restaurante, almoce e na volta diga pro seu chefe que eu trato do registro desses dois ilustres".
Lembro que dos novos repórteres tinha carinho especial por mim e por Getúlio Bittencourt. Perguntava que livro estávamos lendo. Eu mostrava, ele dizia ter lido no original. Muitas vezes Getúlio o surpreendia, não só mostrando o livro, mas presenteando-lhe com uma dedicatória.
Foi saído da redação da Folha, ganhou o posto de correspondente de Paris, voltou como comentarista da página 2. 
Muitos e muitos anos depois conheci sua filha Bárbara, hoje horoscopista da Folha, e outro filho que leva seu nome acrescido de Weber, militante de assuntos éticos na política, a quem eu disse ter trabalhado também com sua mãe, a cartunista Wilde no Estadão.
Lembro que nos anos 80 reencontrei Cláudio na condição de comentarista de política da Folha. Era véspera da disputa presidencial entre Tancredo e Maluf e eu editava o jornal do PMDB. Apresentei a ele toda a direção do partido, creio que o grande Cláudio gostou de ver pessoalmente quem ele só tinha contato à distância. Estava feliz, pois estava novamente nas ruas.


Cláudio Abramo, responsável por uma Folha legível, moderna