quarta-feira, 23 de abril de 2014

Vilanova Artigas

O grande romancista Milton Hatoun falou dele em crônica semanas atrás, confessava sentir saudade do grande Mestre na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP onde estudou. Também tenho boas recordações do Professor João Batista Vilanova Artigas, mas como fonte nesta área. Cobria a editoria de Cidades da Folha e tive como chefe importante e profundo conhecedor do assunto, Odon Pereira, que pegava cada linha e questionava se erro houvesse. Tudo em busca, se não da perfeição, pelo menos de algo próximo.
O prefeito na época era nomeado pela ditadura militar, e coube ao então banqueiro Olavo Setúbal, dono do Itaú, a ingrata missão, que cumpriu bem. O jornal onde trabalhava, Folha de S. Paulo, dava liberdade de garimpar pautas na área de urbanismo comparável apenas à estrela do momento, o Jornal da Tarde do grupo Estado. Entrevistava diariamente o prefeito e, muitas vezes, passava antes no escritório do arquiteto Artigas para que me orientasse a respeito de alguns problemas da cidade. Uma tarde o prefeito explodiu: "Mas esse professor só faz crítica, não apresenta solução". Levei a questão de volta a Artigas que respondeu de pronto: "É claro que eu critico, é meu papel, porque se for para dar solução o prefeito que me contrate".
Artigas projetou o prédio da FAU, que está hoje interditado por necessidade de reformas que a atual gestão da Universidade abandonou, sabe-se lá por quais motivos. Quem conhece o prédio sabe da beleza de suas linhas. Mas há os críticos chatos de sempre, que pegavam no que podiam, acusando o autor de não colocar corrimão ao longo do caminho. Perguntado uma vez se alguém caísse daquelas rampas, o que deveriam fazer, Mestre Artigas respondeu com a simplicidade de sempre: "Chame a ambulância".

                                                         
                                                          João Batista Vilanova Artigas

terça-feira, 15 de abril de 2014

O Poeta


Encontrei o Poeta Gerardo Mello Mourão sozinho em leito do Hospital Beneficência Portuguesa. Falamos pouco sobre jornalismo (ele foi correspondente da “Folha” na China) e menos ainda sobre literatura (só por ter escrito um romance como “Valete de Espadas” seu lugar na Academia Brasileira de Letras estava assegurada). Deixei que ele falasse de um caso que o tinha espantado, parecia que isso, de certa forma, encerrava com uma dura lição. Gostaria que ele escrevesse a respeito, mas como não o fez, faço-o agora com menos brilho e talento.

Velho patriarca mineiro, dono de banco que em comercial dizia abrigar como guarda-chuva seus correntistas, certo dia chamou o filho a quem havia passado a chave do comando. Disse que Zé Mineiro o procuraria em poucos dias para pedir um empréstimo. Contou que não se assustasse com a aparência humilde do amigo, mas que ficasse certo de que a fortuna que a família amealhou na vida devia a pessoas como esse mineirinho, amigo nas horas certas e também incertas.

Passado um tempo veio à ideia do patriarca lembrar o caso encaminhado para o filho. Perguntou se ele tinha resolvido o problema. O filho disse que tecnicamente não havia a menor condição para a concessão do empréstimo. O pai cortou de pronto, afinal, argumentou, se fosse preciso passar pelas comissões técnicas ele não precisava recorrer ao filho. Bastava chamar um diretor da área técnica e expor o problema, ordenando que tudo se resolvesse. Mas como o filho é quem estava no comando do banco ele lhe encaminhou o problema, certo de que tudo seria resolvido da melhor forma possível.

Meses depois o banco entrou em situação falimentar, houve tentativa de socorro das instituições financeiras governamentais, mas sem sucesso. O velho patriarca atribuiu o fracasso da gestão do banco que um dia fundou a mil questões, entre elas a que levou ao filho para resolver, e que a insensibilidade atroz impediu de fazer algo - uma metáfora do fracasso e da insensibilidade aliadas que costumam dar no que dão.

 Na despedida ganhei do grande escritor um presente original, tirado de uma pasta na cabeceira do leito, um belo poema.

 


                                                          Gerardo Mello Mourão, grande poeta

sábado, 5 de abril de 2014

Antonio Candido

Estava ocupado com a série de matérias que tinha de fechar na próxima edição do semanário católico "O São Paulo" quando o Professor Antonio Candido entrou na redação e me entregou seu artigo, duas laudas, sem um erro de datilografia. Dei uma olhada e disse que tudo estava bem. Ao que o Mestre disse com grande modéstia: "Se você tiver de cortar algumas linhas, faça-o, e se precisar mudar alguma coisa está autorizado também a fazer". Eu disse aquele clássico "quem sou eu". Seu artigo era um primor de estilo e de sabedoria. Lembro que ele tinha o boné de listras nas mãos.
É daquele patrimônio que deve ser preservado. Pena que os pauteiros estejam mais preocupados com essas celebridades instantâneas e pouco o procuram para saber sua opinião sobre literatura, política e sociedade. Recentemente foi entrevistado pela revista distribuída nas livrarias Saraiva e disse estar apreensivo com a insegurança em que vivemos hoje.
Mas o melhor que vi do grande Mestre foi quando se instaurou um debate acerca da figura de Mario de Andrade na cidade de São Paulo. Não era o escritor modernista que mexeu com o País em 1922. O pesquisador que havia trabalhado no extinto "Jornal da Tarde" se equivocou e forneceu o retrato errado do autor de "Macunaíma". Minha colega Mônica Bergamo, colunista da "Folha" o entrevistou:
"Como o senhor tem tanta certeza de que aquele retrato exibido em público na cidade não era do Mario de Andrade?".
O Professor Antônio Candido respondeu modestamente: "Porque eu conheci Mario de Andrade".

                                                     Antonio Candido, um dos maiores intelectuais do Brasil