segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Hamilton Almeida Filho

João Antonio, o autor do clássico "Malagueta, Perus e Bacanaço", quis que eu me aproximasse da turma que escrevia o jornal Ex, da imprensa alternativa, e recomendou que procurasse Mylton Severiano da Silva, o Myltainho, e foi o que fiz. Fui à sede do jornal. Myltainho estava aguardando a chegada de um dos principais editores daquele jornal, que funcionava embaixo de uma loja de conserto de sofá, no bairro do Bixiga. A redação estava lotada, era para ser uma reunião de pauta, mas quando Hamilton Almeida Filho, o HAF, chegou, tudo mudou. Ele contou para os colegas que estava de partida para a Folha de S. Paulo, convidado por Cláudio Abramo: "Esse pessoal percebeu que estamos quase no fim, a imprensa alternativa está acabando e eles me chamaram, como fizeram com o Tarso de Castro (do Pasquim) e, por isso, amanhã estarei de endereço novo".
Eu trabalhava na Folha nesta época e, por coincidência, ele foi meu chefe na editoria de Cidade. Discordava da edição de algumas reportagens que eu fazia, achava que não precisavam ser publicadas dia a dia, bastava dar destaque uma vez por semana, aos domingos, dia em que o jornal vinha mais gordo. HAF era uma lenda no jornalismo: tinha iniciado cedo na profissão, aos 16 anos de idade, e chegou a montar várias redações. Um dia estava vendo fotografias recém-tiradas quando se deparou com a aliança em um dos dedos das mãos do rei Pelé, que negava o casamento. Não deu outra. Furo internacional, porque o outro "Rei", Roberto Carlos, da Jovem Guarda, estava dando voltas pela Bolívia também se casando, e os repórteres acabaram descobrindo o corpo de um certo Ernesto "Che" Guevara abatido a tiros pelos rangers norte-americanos.
Quando esteve preso no Carandiru, por ter participado do teatro de José Celso Martinez Corrêia, HAF fez um jornal que acabou quando o redator foi solto, ao contrário do que normalmente acontece. De modo geral, jornalistas são presos por terem escrito algo que desafiou o Poder. Ele sempre esteve na contramão da História: uma vez, por não encontrar trabalho nos jornais, foi para a televisão Bandeirantes, onde fazia reportagens política. Ao introduzir certos assuntos ele dizia mostrando os indicadores: "Aspas". Muitos repórteres de TV me contaram que gostariam de fazer suas reportagens como ele, mas os editores diziam que HAF só tinha um.
Em um dos encontros onde cruzamos na reportagem de rua ele me contou que estava feliz com bons ganhos na produtora que montou com a mulher, hoje grande e reconhecida biógrafa, a colega Regina Echeverria que, quem sabe, escreverá sobre a vida de um dos maiores jornalistas que passou por aqui em tempos difíceis.
Hamilton Almeida Filho, o escritor João Antonio e Paulo Patarra, criador da revista Realidade