Nunca tive certeza de
minha primeira lembrança de vida. Se tivesse de ganhar a vida com
data exata dos acontecimentos estaria estendendo a mão para pedir
alguns trocados.
Sei que há pessoas que
fazem isso muito bem: sabem o que aconteceu tal fato, lembra
detalhes, mas não é o meu caso. As lembranças aparecem
fragmentadas. São trechos mais propriamente do que um filme inteiro
a ser contado. Lembro, por exemplo, de admirar um primo meu,
Carlinhos, a quem tinha amizade e muito amor. Lembro que ele amava
meu avô. Tanto que chorou até passar mal quando vovô nos deixou.
Disse a ele, não chora, ele não é seu pai. Dois ou três meses
depois disso Carlinhos nos deixou. Foi embora não sei com quantos
anos de idade, talvez 5 anos, devia ter a mesma idade que eu ou meus
irmãos, todos com diferença de 2 anos, verdadeira escadinha de
gente. Uma vez estava correndo na escola e alguém pôs o pé na
frente, caí e desmaiei. Foi o meu primeiro desmaio, aos 10 anos de
idade. O segundo só viria a acontecer 50 anos mais tarde, algo que
me deixou apavorado, mas foi somente um susto. Ainda bem.
Outra lembrança que
vem à mente é com a amizade com outro avô, Higa, que aportou por
aqui no Brasil vindo na primeira leva de imigrantes japoneses, o
navio Kassatu Maru. Já faz parte da história das migrações,
afinal ele veio em 1908. E por que sei disso? Ora, porque poucos
estrangeiros vieram para cá, a não ser os negros caçados a laço
na África. Foi para substituir esta mão de obra escrava que o
governo brasileiro passou a permitir a vinda de estrangeiros para
trabalhar em nossa lavoura. No caso dos meus avós, eles vieram para
trabalhar na colheita do café. Meu avô sabia dirigir automóveis e
trabalhou para uma figura que viria a ser presidente da República –
só que nesta época ele já estava colhendo suas orquídeas em seu
sítio na cidade de Pedro de Toledo, no Vale do Ribeira.
A convivência com meu
avô Higa é uma das minhas doces lembranças da infância. Tinha 5,
10, 12 anos, não lembro. Tenho tudo guardado na memória, quase não
há registro fotográfico. Para conseguir fotografias de vovô na
comemoração do centenário da imigração em 2008 tive de recorrer
às minhas primas.
A cada dia as
lembranças se vão, principalmente quando tento conferir dados com
pessoas mais antigas e com melhor memória do que eu. Alguns dados
não batem. Vou ficar como aquele aluno que tinha lembrança doce da
professorinha que lhe ensinou o beabá, nunca quis reencontrá-la com
medo de ver uma senhora totalmente irreconhecível, diferente de sua
memória. Na falta de dados precisos costuma-se inventar, só que
como não sou ficcionista nem novelista só me resta rascunhar tudo
isso e deixar de lado para quem sabe um dia fazer o quê.
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