terça-feira, 15 de abril de 2014

O Poeta


Encontrei o Poeta Gerardo Mello Mourão sozinho em leito do Hospital Beneficência Portuguesa. Falamos pouco sobre jornalismo (ele foi correspondente da “Folha” na China) e menos ainda sobre literatura (só por ter escrito um romance como “Valete de Espadas” seu lugar na Academia Brasileira de Letras estava assegurada). Deixei que ele falasse de um caso que o tinha espantado, parecia que isso, de certa forma, encerrava com uma dura lição. Gostaria que ele escrevesse a respeito, mas como não o fez, faço-o agora com menos brilho e talento.

Velho patriarca mineiro, dono de banco que em comercial dizia abrigar como guarda-chuva seus correntistas, certo dia chamou o filho a quem havia passado a chave do comando. Disse que Zé Mineiro o procuraria em poucos dias para pedir um empréstimo. Contou que não se assustasse com a aparência humilde do amigo, mas que ficasse certo de que a fortuna que a família amealhou na vida devia a pessoas como esse mineirinho, amigo nas horas certas e também incertas.

Passado um tempo veio à ideia do patriarca lembrar o caso encaminhado para o filho. Perguntou se ele tinha resolvido o problema. O filho disse que tecnicamente não havia a menor condição para a concessão do empréstimo. O pai cortou de pronto, afinal, argumentou, se fosse preciso passar pelas comissões técnicas ele não precisava recorrer ao filho. Bastava chamar um diretor da área técnica e expor o problema, ordenando que tudo se resolvesse. Mas como o filho é quem estava no comando do banco ele lhe encaminhou o problema, certo de que tudo seria resolvido da melhor forma possível.

Meses depois o banco entrou em situação falimentar, houve tentativa de socorro das instituições financeiras governamentais, mas sem sucesso. O velho patriarca atribuiu o fracasso da gestão do banco que um dia fundou a mil questões, entre elas a que levou ao filho para resolver, e que a insensibilidade atroz impediu de fazer algo - uma metáfora do fracasso e da insensibilidade aliadas que costumam dar no que dão.

 Na despedida ganhei do grande escritor um presente original, tirado de uma pasta na cabeceira do leito, um belo poema.

 


                                                          Gerardo Mello Mourão, grande poeta

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