Liguei para o Carlos Drummond de Andrade, ele mesmo atendeu,
tinha voz de menino. Anos 80 da década passada. Disse que estava falando da
redação da revista “Veja” e que a reportagem era sobre o jogo do bicho. Mais
que depressa o Poeta respondeu: “Eu não sei nada de jogo do bicho”. Tentei
convencê-lo a falar, afinal o jogo foi inventado por um certo Barão de
Drummond, que administrava o zoológico do Rio de Janeiro e, certo dia, ao ver
os bichos em situação de penúria inventou uma forma de arrecadar rapidamente.
Como tudo aqui no Brasil começa bem e nunca se sabe como termina, salvos os
animais, o jogo correu solto, mesmo na clandestinidade em que foi atirado e em
que está até hoje.
Mas o Poeta não queria saber do jogo do bicho. Perguntei se
o Barão de Drummond era seu parente, quem sabe um avô ou outro familiar
distante, ele disse que não. Insisti e ele revelou nunca ter feito jogo de
bicho, não sabia como fazer uma aposta. Mais uma vez pediu: “Me deixa fora
desta reportagem, não tenho nada com o jogo do bicho”. E riu. Pensei: é mesmo,
o que o grande poeta, cronista, reconhecido mundialmente tem a ver com o
malfadado jogo do bicho? Me despedi e ele foi gentil, disse que estava à
disposição para falar de Literatura e que sempre que eu quisesse poderia ligar.
A modéstia em pessoa. Só que Literatura era assunto de outro colega, da baia ao
lado, Mario Sergio Conti, que havia me passado o telefone da casa de Drummond. Cora Coralina e Adélia Prado foram descobertas de Drummond, que as tirou do anonimato.
A matéria saiu na revista sem a palavra do Poeta, meu editor (de Brasil)
não gostou do insucesso da fala que iria ilustrar a reportagem sobre mais uma
tentativa de regulamentação oficial do jogo do bicho em Brasília, mas a voz e a
gentileza do mais ilustre itabirano do mundo haviam me encantado. Diria como
ele, hoje tudo isso é um retrato na parede, mas como dói.
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