quarta-feira, 10 de julho de 2019

O Velho Passos

O Velho Passos, como o chamávamos na redação do jornal Cidade de Santos nos idos dos anos 70 do século 20, não era propriamente por causa da idade e, sim, pela sua voz sempre calma em todos os momentos e conciliador, sempre com alguma novidade debaixo do braço. Um livro, um panfleto, uma fotografia. Estava um ano à frente na faculdade, para onde íamos juntos à noite. Passávamos no boteco e pedíamos sanduíche de mortadela, que ele mantinha em segredo até que uma colega nossa da chamada elite santista tentou experimentar, não teve coragem e polidamente agradeceu.
Uma manhã bem cedo cheguei na casa do Velho Passos com dezenas de jornais amarrados em uma corda. Era o primeiro número do jornal Versus, que tínhamos feito na casa do idealizador, Marcos Faermann. Já que eu ia para lá, por que não aproveitar e levar para o colega José Meirelles Passos e deixar com ele antes mesmo de o jornal ir para as bancas? Sua mulher falou: "Acorda Zezé porque seu amigo está aí chamando, deve estar fugindo da polícia".
O Velho Passos deu algumas voltas pelo mundo, a começar pela América Latina. Entrevistou dezenas de ditadores e também o legendário escritor Jorge Luiz Borges, cedo àquela altura.
Viveu anos em Washington, onde trabalhou como correspondente de O Globo. Mesmo acometido de uma doença que havia contraído na juventude, 50 anos antes, fase passada em Lorena, interior do Estado de São Paulo, próximo ao Rio de Janeiro, quando ainda era químico, ora veja, ele trabalhou em meio a tantos papéis que tentava decifrar, segredos da Casa Branca.
Com recado do amigo Adelto Gonçalves fui vê-lo no hospital Sírio-Libanês onde ele se encontrou com um dos ditadores de plantão nesta Nuestra América e lembrou que tinha fotos nossa na greve dos metalúrgicos que despontou para o mundo um operário de nome Luis Inácio Lula da Silva, que seria presidente da República por dois mandatos. Nessas fotos aparece um sociólogo que encontramos no ABC e que também sucederia Lula na presidência da República, Fernando Henrique Cardoso. Contou que havia separado as fotografias e que me enviaria dias depois. Não foi possível. Um dia, quem sabe, veremos essas fotografias em alguma galeria por este mundo afora.

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