domingo, 8 de junho de 2014

Fotógrafo filósofo

Dirceu Leme antes de ser repórter fotográfico na "Folha" trabalhou como operário em fábrica. Ao ouvir todos os dias pontualmente às 18h00 a sirene tocar na redação ele dizia que isso acontecia não por acaso, mas para todos perceberem que não havia, a rigor, diferença entre a redação de um jornal e uma metalúrgica. Outro dia ainda ouvi a sirene tocar na redação da 'Folha'. Outra de suas pérolas filosóficas: aconselhava a nunca mexer com o patrimônio sagrado da classe média, o carro: "Pode roubar a mulher do classe média, mas se esbarrar com o carro dele pode ficar certo de que ele ficará uma fera, vai massacrar quem chegar a isso, vai até lhe matar".
Estávamos nas imediações do Teatro de Arena altas horas de madrugada falando sobre a vida quando, de repente, em frente ao bar Redondo duas mulheres se engalfinharam no chão. Uma delas pegou o sapato salto alto e bateu tanto na outra com tanta fúria que o sangue correu no asfalto. Comentário de Dirceu: "Não suporto ver essas cenas, me deixam deprimido".
Era um dos profissionais preferidos por diretores e atores do Arena. Organizou junto com o jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão uma antologia de músicas contando a história de Zumbi dos Palmares para o Teatro de Arena. Tinhorão era, aliás, um de seus ídolos, dono de um texto primoroso e um sábio.
Sempre que saíamos juntos para fazer reportagem sentia que ele não gostava que o apressasse por nada: "A Folha não paga adicional por insalubridade, não vou correr, não vou me enfartar nem tornar meu tempo mais curto por causa disso", se esquivava. Recomendava a leitura da biografia de Jack London e do livro "O tacão de ferro", seu preferido. Lia o que lhe caía em mãos. Era, em suma, além de magnífico profissional da fotografia um grande filósofo.


Uma das paixões de Dirceu Leme, o preferido pelos diretores e atores do Teatro de Arena em SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário